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A MEGERA DOMADA, ATO IV, Cena IV

(Pádua. Diante da casa de Batista. Entram Trânio e o professor, vestido como Vicêncio.)

TRÂNIO - Esta é a casa, senhor. Posso bater?

PROFESSOR - E por que não? Se não me trai o engenho, de mim ainda deve estar lembrado meu amigo
Batista. Foi em Gênova, há vinte anos; nós dois nos hospedamos na estalagem do Pégaso.

TRÂNIO - Isso mesmo. Em qualquer circunstância, agora cumpre-vos austeridade revelar paterna.

PROFESSOR - Tranqüilizai-vos. Mas aí vem o pajem. Bom seria instruí-lo nesse ponto.
(Entra Biondello.)

TRÂNIO - Podeis ficai tranqüilo. Olá, Biondello! vede lá como andais daqui por diante, é o que vos
digo. E tende bem presente que este amigo é o legítimo Vicêncio.

BIONDELLO - Ora! não tenhais medo.

TRÂNIO - Mas já deste meu recado a Batista?

BIONDELLO - Sim; contei-lhe que vosso pai se achava ora em Veneza e que com ele em Pádua hoje
contáveis.

TRÂNIO - És um rapaz esperto; recebe isto para a bebida. Mas aí vem Batista. Assumi, meu senhor,
vossa aparência.
(Entram Batista e Lucêncio.)
Signior Batista, mui feliz encontro.
(Ao professor.)
Este é o senhor sobre que já falamos. Revelai-vos agora um pai bondoso, dando-me Bianca para minha
herança.

PROFESSOR - Mais devagar, meu filho. Com vossa permissão, senhor; mas tendo vindo até Pádua por
algumas dívidas, fui informado por Lucêncio duma causa de amor de grande relevância entre ele e vossa
filha. Assim, em parte pelas informações que de vós tenho, em parte pelo amor que ele lhe vota, por ela
retribuído, para que ele não espere demais concordo, em minha solicitude paternal, em que esse
casamento se faça. E se pensardes do mesmo modo que eu, haveis de achar-me disposto - após sobre isso
conversarmos - para firmar as cláusulas de nosso contrato para o dote. Pois convosco não posso
revelar-me desconfiado, signior Batista, tendo em vista as boas referências que sobre vós obtive.

BATISTA - Desculpai-me, senhor, no que vos digo; muito me impressionou vossa franqueza e vossa
concisão. É bem verdade: vosso filho Lucêncio, aqui presente, gosta de minha filha, e Bianca, dele, se
ambos não forem por demais fingidos. Por isso, caso não tivésseis nada mais a dizer senão que como
filho vai ser ele tratado e que adequado dote dareis a Bianca, o casamento já está concluído e arrematado

tudo: com meu consentimento vosso filho desposa minha filha. TRÂNIO - Agradecido, senhor, vos fico.
Em que lugar, agora, assentaremos o noivado e o pacto recíproco assinamos?

BATISTA - Não em minha casa, signior Lucêncio, que as paredes ouvem, como o sabeis, e eu tenho um
grande número de criados, sem contarmos que o velho Grêmio ainda está de espreita, podendo vir, assim,
a interromper-nos.

TRÂNIO - Em meus alojamentos, nesse caso. Meu pai vai ficar lá; e ainda esta noite poderemos concluir
nosso negócio com bastante sigilo e segurança. Mandareis vosso criado chamar Bianca, enquanto este
meu pajem vai correndo buscar-nos o escrivão. O pior que pode dar-se por fim é que com tanta pressa
venhais a ter pitança mui delgada.

BATISTA - Estou de acordo. Câmbio, ide até casa dizer a Bianca que se tenha prestes. Sim, podereis
contar-lhe o que se passa: como o pai de Lucêncio se acha em Pádua e que ela vai casar-se com
Lucêncio.

LUCÊNCIO - Que isso aconteça é o que eu suplico aos deuses, de todo o coração.

TRÂNIO - Não percas tempo com os deuses; corre logo e não demores. Poderei indicar-vos o caminho,
Signior Batista? Sois bem-vindo. Todo vosso jantar consistirá num prato. Entrai, senhor; em Pisa
arranjaremos melhor as coisas.

BATISTA - Ide; já vos sigo.
(Saem Trânio, o professor e Batista.)

BIONDELLO - Câmbio!

LUCÊNCIO - Que disseste, Biondello?

BIONDELLO - Não vistes quando o meu amo piscou para o vosso lado e sorriu?

LUCÊNCIO - E que significará isso, Biondello?

BIONDELLO - Nada, por minha fé; mas ele me deixou atrás, para que explique o sentido ou a moral de
seus gestos e sinais.

LUCENCIO - Então explica-me a moral do caso.

BIONDELLO - Ei-la: Batista está em lugar seguro, conversando com o falso pai de um filho embusteiro.

LUCÊNCIO - E dai?

BIONDELLO - Tereis de levar a filha dele para a ceia.

LUCÉNCIO - E depois?

BIONDELLO - O velho padre da igreja de São Lucas ficará todo esse tempo à vossa disposição.

LUCÊNCIO - E no fim de tudo isso?

BIONDELLO - Não saberei dizê-lo, a não ser que eles se encontram atarefados com um falso contrato.
Assegurai-vos, portanto, dela, cum privilegio ad imprimendum solum. À igreja! Levai o padre, o
sacristão e algumas testemunhas suficientemente honestas. Se esta não for a ocasião que esperáveis com

tanta alegria, dizei adeus à formosa Bianca, sem perda de um dia.

LUCÊNCIO - Escuta, Biondello.

BIONDELLO - Não posso ficar mais tempo. Conheço uma rapariga que se casou numa tarde, ao ir à
horta apanhar salsa para encher um coelho. O mesmo podereis fazer, meu senhor. E com isto, adeus. Meu
amo mandou que eu fosse à igreja de São Lucas, a fim de dizer ao padre que se aprontasse para quando
chegásseis com vosso apêndice.
(Sai.)

LUCÊNCIO - Posso-o, e fá-lo-ei, se ela ficar alegre. Há de ficar; por que duvidar tanto?

Eis o momento de me declarar; mal ficarei, se Câmbio a não pegar.
(Sai.)