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CORIOLANO, ATO V, Cena II

O acampamento volsco diante de Roma. Os guardas estão em seus postos; Menênio aproxima-se deles.

PRIMEIRO GUARDA - Alto aí! De onde vindes?

SEGUNDO GUARDA - Nem um passo mais para a frente!

MENÊNIO - Sois, valentes guardas. Mas, com licença: oficial eu sou do Estado e vim falar com
Coriolano.

PRIMEIRO GUARDA - De que parte?

MENÊNIO - De Roma.

PRIMEIRO GUARDA - Então não pode; forçoso é que volteis; o nosso chefe não quer ouvir de lá coisa
nenhuma.

SEGUNDO GUARDA - Vereis Roma entre chamas, antes mesmo de poderdes falar com Coriolano.

MENÊNIO - Caros amigos, se já ouvistes vosso chefe falar de Roma e dos amigos que ele tem lá: aposto
cem contra um que meu nome já vos feriu o ouvido: Menênio.

PRIMEIRO GUARDA - Pouco importa qual seja ele. Para trás, que a virtude desse nome aqui não tem
passagem.

MENÊNIO - Companheiro, teu general, repito, é meu amigo. O livro tenho sido de seus atos valorosos,
no qual os homens leram sua fama sem par, até aumentada, que exaltar sempre eu soube meus amigos -
dos quais ele é o primeiro - com a amplitude que a verdade comporta sem declínio. Algumas vezes,
mesmo, como bola num terreno macio, estive a ponto de ultrapassar a meta; em louvor dele quase pus a
chancela nas mentiras. Por isso tudo, amigo, é necessário deixardes-me passar.

PRIMEIRO GUARDA - Em verdade, senhor, ainda mesmo que houvésseis dito tantas mentiras a seu
favor quantas palavras pronunciastes em vosso próprio proveito, não passaríeis aqui. Não; nem que fosse
tão virtuoso mentir, como viver castamente. Por obséquio, retornai.

MENÊNIO - Por obséquio, amigo, lembrai-vos de que meu nome é Menênio, adepto sempre entusiasta
de vosso general.

SEGUNDO GUARDA - Ainda que tivésseis sido seu caluniador - como há pouco o confessastes - sou
homem que digo a verdade sob as ordens dele, razão por que vos declaro que não podeis passar. Por isso,
retornai.

MENÊNIO - Poderás informar-me se ele já jantou? Porque só desejo falar-lhe depois do jantar.

PRIMEIRO GUARDA - Sois romano, não é verdade?

MENÊNIO - Sou o que é teu general.

PRIMEIRO GUARDA - Nesse caso deveríeis ter ódio a Roma, como ele tem. Poderíeis, quando pusestes
porta fora seu verdadeiro defensor, e, numa crassa ignorância popular, entregastes vosso escudo ao
inimigo, poderíeis crer que seríeis capazes de conter sua vingança com os gemidos fáceis das velhas, as
palmas virgens de vossas filhas ou com a interferência paralítica de um velho tonto como pareceis ser?
Acreditais, mesmo que o incêndio que está prestes a destruir vossa cidade possa ser apagado com um
sopro assim tão fraco? Não; estais enganado. Voltai, pois, para vossa Roma e preparai-vos para a
execução. Estais condenados, nosso general não vos concederá trégua nem perdão.

MENÊNIO - Maroto, se teu capitão soubesse que me encontro aqui, tratar-me-ia com consideração.

SEGUNDO GUARDA - Vamos! Meu capitão não vos conhece.

MENÊNIO - Quero dizer: teu general.

PRIMEIRO GUARDA - Meu general não se preocupa convosco. Para trás! Já disse; do contrário,
derramarei a meia pinta de sangue... Para trás!... que é só o que vos resta. Para trás!

MENÊNIO - Sim... Mas, companheiro! companheiro!
(Entram Coriolano e Aufídio.)

CORIOLANO - Que é que há?

MENÊNIO - Agora, companheiro, vou mostrar-vos como as coisas são; vereis em que conceito eu sou
tido. Chegou o momento de verificardes que não cabe nas obrigações de um João-porteiro separar-me de
meu filho Coriolano. Deduz, da maneira por que vou ser recebido, se não te encontras em perigo de ser
enforcado ou de qualquer outra morte mais demorada para os espectadores e mais cruel para o paciente.
Olha agora bem de frente e desmaia por causa do que te espera. (A Coriolano.) Que os deuses gloriosos
se reúnam a todas as horas em conselho, para tratar de tua prosperidade, e que não te amem menos do
que o teu velho pai Menênio. Ó meu filho! meu filho! Preparas fogo para nós. Olha: aqui trago água para
apagá-lo. Custou-me a decidir-me a vir falar-te; mas por estar convencido de que somente eu poderia
comover-te, deixei que os suspiros me trouxessem até vossas portas, para conjurar-te a perdoar a Roma e
a teus compatriotas suplicantes. Que os deuses bondosos abrandem tua cólera e lancem sua borra sobre
este tipo que, como um bloco de pedra, me negou acesso a tua presença.

CORIOLANO - Para trás!

MENÊNIO - Como! Para trás! CORIOLANO - Esposa, mãe e filho, desconheço-os. Confiados a outros
tenho os meus negócios. É certo que a vingança me pertence; porém minha demência ora se encontra no
coração dos volscos. A amizade que tivemos, primeiro o olvido ingrato deixará venenosa, que a piedade
poderá avaliar. Por isso, parte. Mais fortes são os meus ouvidos contra vossos pedidos do que vossas
portas contra minha investida. No entretanto, por já te ter amado, recebe isto.
(Dá-lhe um papel.)
Foi escrito somente por tua causa, e tencionava enviar-to. Outra palavra, Menênio, não desejo que me
digas. Aufídio, este homem foi meu bem-amado na cidade de Roma. No entretanto, como vês...

AUFÍDIO - Revelai-vos sempre firme.
(Saem Coriolano e Aufídio.)

PRIMEIRO GUARDA - Então, senhor, vosso nome é Menênio?

SEGUNDO GUARDA - Como vistes, é uma palavra mágica, de grande eficiência. Agora aprendestes o
caminho de casa.

PRIMEIRO GUARDA - Ouvistes como fomos censurados, por termos interceptado a passagem de Vossa
Grandeza.

SEGUNDO GUARDA - Que razão imaginais que eu tenha para desmaiar?

MENÊNIO - Não me preocupo nem com o mundo nem com vosso general. Seres como vós dois, nem
chego a conceber que possam existir, tão insignificantes sois. Quem tem a possibilidade de morrer por
suas próprias mãos, não tem medo de que os outros o matem. Que vosso general pratique as piores
barbaridades. Quanto a vós, continuai por muito tempo sendo o que sois, e que com a idade aumente
vossa miséria. Digo-vos o que me disseram: para trás!
(Sai.)

PRIMEIRO GUARDA - Um nobre companheiro, posso asseverar.

SEGUNDO GUARDA - O companheiro mais digno é nosso general: é uma rocha, um carvalho, que
vento algum consegue abalar.
(Saem.)