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ANTONIO E CLEOPATRA, ATO IV, Cena IX

Acampamento de César. Sentinelas a postos.

PRIMEIRO SOLDADO - Dentro de uma hora, se não nos renderem, será preciso que nos recolhamos para o corpo da guarda. Há claridade; às duas horas da manhã, disseram, será iniciada a pugna.

SEGUNDO SOLDADO - O dia de ontem foi para nós terrível. (Entra Enobarbo.)

ENOBARBO - Noite, serve-me de testemunha!

TERCEIRO SOLDADO - Quem será esse homem?

SEGUNDO SOLDADO - Ficai perto e escutai.

ENOBARBO - Ó lua santa, quando em futuro forem relembrados com memória odiosa os desertores, testemunha me sejas de que em tua face o pobre Enobarbo se arrepende.

PRIMEIRO SOLDADO - Enobarbo!

TERCEIRO SOLDADO - Silêncio! Ouçamos mais.

ENOBARBO - Ó grande soberana das tristezas verdadeiras, em mim despeja todos os vapores pestíferos da noite, porque a vida, já agora divorciada de meu querer, em mim não mais se prenda. Joga meu coração de encontro à rocha e à dureza de minha grande falta, que, ressecado estando de tristeza, vai transformar-se em pó, dando remate, desta arte, aos pensamentos vergonhosos. Ó Antônio - mais nobre és do que vilíssima foi minha deserção - possas em tua alma perdoar o que te fiz e, após, que o mundo me inscreva em seu registo como trânsfuga e ingrato ao próprio dono. Oh Antônio, Antônio! (Morre.)

SEGUNDO SOLDADO - Vamos falar-lhe.

PRIMEIRO SOLDADO - Não; fiquemos quietos. A César pode interessar tudo isso.

TERCEIRO SOLDADO - Bem; que seja. Parece estar dormindo.

PRIMEIRO SOLDADO - Ou melhor, desmaiou, pois ninguém reza dessa maneira, quando vai deitar-se.

SEGUNDO SOLDADO - Vamos chamá-lo.

TERCEIRO SOLDADO - Olá, senhor, falai-nos! Meu senhor, acordai!

SEGUNDO SOLDADO - Estais ouvindo?

PRIMEIRO SOLDADO - A mão da morte já baixou sobre ele. (Tambor ao longe.) Ouvi! O rufo dos tambores deixa despertos os que dormem. Tranportemo-lo para o corpo da guarda. É gente fina. Já passou nosso quarto.

TERCEIRO SOLDADO - Vamos, ainda pode voltar a si. (Saem carregando o corpo.)