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ATO II,Cena I

William Shakespeare,Sonho de uma noite de verão, ATO II,Cena I

Um bosque perto de Atenas. Uma fada e Puck entram por lados diferentes.

PUCK - Olá, espírito! Para onde vais?

FADA - Nos densos cerrados, no bosque fagueiro, nos belos gramados por tudo me esgueiro mais
apressada que a lua quando na mata flutua. Contente, sirvo à rainha das fadas, senhora minha e sobre o
relvado faço de seus círculos o traço. As altivas primaveras ela as adora deveras; em seu doirado vestido
de traçado mui garrido, há rubis, muito perfume, de que as fadas têm ciúme. Ora sacudo as pétalas das
rosas à procura das pérolas donosas porque às orelhas ponha redolentes das primaveras lúcidos
pingentes. Adeus, espírito travesso; é hora; já vem a fada e os elfos; vou-me embora.

PUCK - Para este ponto o rei já se encaminha. Cuidado! Não se encontre com a rainha, pois Oberon se
mostra estomagado deveras por lhe haver ela roubado o gracioso menino da Índia oriundo. Na opinião
dela é o pajem sem segundo. O ciumento Oberon desejaria em seu séqüito vê-lo noite e dia, para, juntos,
passearem na floresta. Ela, porém, de nada se molesta; retém o lindo pajem, venturosa, e grinaldas lhe
tece cor-de-rosa. Nos olhos dele encontra a luz mais pura. Assim, quando nas fontes, porventura, os dois
se vêem, num vergel umbroso, à luz do luar, num bosque nemoroso, a tal ponto discutem, que, de medo,
nas bolotas os elfos ficam quedos.

FADA - Se esquecida de todo não pareço, tu és aquele espírito travesso de nome Bom Robim. És tu que
enleias de noite as raparigas das aldeias, tiras do leite a nata e, de mansinho, desajustas as peças do
moinho; fazes que a batedora de manteiga se esbofe sem proveito e que a taleiga de cerveja, por vezes,
não fermente; que ris às gargalhadas, de inclemente, do viajante noturno exausto e lasso, pós o teres
transviado um bom pedaço. Mas quem de meigo Puck e de trasguinho te chama, a esse auxilias com
carinho, fazes que refloresça quanto é dele, lhe dás suma ventura. Dize: és ele?

PUCK - Fada, acertaste. Eu sou, realmente, o ledo vagabundo noturno que brinquedo faço de tudo,
porque a todo instante alegre de Oberon deixe o semblante. Como ele ri gostoso, ao ver o efeito, sobre
um cavalo gordo, do meu jeito de relinchar qual égua calorosa. Às vezes ponho tudo em polvorosa,

quando me escondo, qual maçã cozida, no jarro de uma velha delambida: tropeço-lhe nos beiços, sem
que o veja, e no regaço entorno-lhe a cerveja. A sábia tia, às vezes, numa história de enredo triste e
perenal memória, pensa me ter, qual um banquinho, à mão; então me afasto e, bum! vai ela ao chão, e
enxertando na história um disparate reclama em altas vozes o alfaiate, sem parar de tossir. Em
gargalhadas as comadres rebentam, de malvadas, saltam de gozo e juram, da janela, não terem visto uma
hora como aquela. Retira-te; Oberon vem com o seu bando.

FADA - E a senhora também. Fosse ele andando!
(Entra, por um lado, Oberon com o seu séqüito: por outro, Titânia com o dela.)

OBERON - Orgulhosa Titânia, é mau indício assim nos encontrarmos ao luar.

TITÂNIA - O ciumento Oberon! Fadas, partamos; abjurei do seu leito e companhia.

OBERON - Detém-te, presunçosa; acata as ordens de teu senhor.

TITÃNIA - Então, senhora eu sou. No entanto eu sei que do país das fadas vieste furtivamente, após a
forma tomares de Corino, e o dia inteiro na avena rude versos amorosos a Fílida cantavas. Por que causa
vieste aqui ter, deixando a Índia longínqua? Certamente tão-só pela imperiosa Amazonas de botas
elegantes, vossa guerreira amada, que está a ponto de casar com Teseu.

OBERON - Não te envergonhas, Titânia, de atirar-me esses remoques pelo interesse que eu dedico a
Hipólita, se eu não ignoro que amas a Teseu? Com tua ajuda, numa noite fosca, não pode ele fugir de
Perigônia, que ele próprio raptara? Quem não sabe que o fizeste violar os juramentos feitos a Egle
formosa, a Ariadne, a Antíopa?

TITÂNIA - Tudo isso é o ciúme que a inventar vos leva. Desde aquele verão, nunca podemos nos reunir
na floresta, pelos prados, nas colinas, nos bosques, junto às fontes em que os juncos vicejam, pelas praias
sonorosas do mar, para dançarmos em coro ao som dos ventos sibilantes, sem que em nossa alegria não
nos víssemos perturbadas por tuas invectivas. Por isso os ventos, como em represália de em vão nos
assobiarem, do mar vasto aspiraram vapores contagiantes, e estes, pelo país se derramando, tanto
deixaram túmidos os rios, que as margens inundaram, de orgulhosos. Em vão os bois no jugo se
cansaram; perdeu o suor o lavrador; o verde trigo podre ficou antes de a barba juvenil lhe nascer; os
currais se acham vazios nas campinas alagadas; cevam-se os corvos no pestoso gado: as quadras de
pelota estão desertas e cobertas de lama; quase esfeitos na verde relva os belos labirintos, porque ora já
ninguém neles transita. Falta aos homens mortais o frio inverno; com hinos e canções, as noites claras já
não são abençoadas como outrora. E assim, a lua, que o mar vasto impera, pálida de rancor, todo o ar
deixa úmido, abundando os catarros. Em tamanha desordem vemos as sazões trocadas: do seio brando da
virente rosa sacode a geada a cândida cabeça, enquanto sobre o queixo e nos cabelos brancos do velho
inverno, por escárnio, brotam grinaldas de botões odoros do agradável estio. A primavera, o estio, o
outono procriador, o inverno furioso as vestes habituais trocaram, de forma tal que o mundo, de
assombrado, para identificá-los não tem meios. Pois bem; toda essa prole de infortúnios de nossas
dissenções, tão-só, provêm; geradores e pais somos de todos.

OBERON - Dai o remédio, então; tendes os meios. Por que há de contrariar, sempre, Titânia seu
Oberon? Não peço muito, apenas uma criança perdida, para dela fazer meu pajenzinho.

TITÂNIA - Tal cuidado tirai do coração. Nem todo o reino das fadas me comprara este menino. Ao meu
culto sua mãe era votada, Muitas e muitas vezes, na atmosfera perfumada das Índias, me aprazia ouvi-la

discretear, tê-la ao meu lado nas amarelas praias de Netuno a admirar os cargueiros balouçantes sobre as
ondas inquietas. Como ríamos, ao ver as velas enfunar-se, grávidas ao parecer, sob os lascivos beijos dos
ventos buliçosos! Imitando-as, a andar com irresistível gaiatice - grávida, então, do meu donoso pajem -
por terra a velejar se punha, em busca de ninharias mil para ofertar-me, voltando após, como de viagem
longa, de sua gentil carga mui vaidosa. Mas, porque era mortal, morreu no parto deste menino que, por
amor dela, recolhi para criar. Por isso, agora, pela mesma razão dele não largo.

OBERON - Neste bosque morar é vosso intento?

TITÂNIA - Até o dia, talvez, do casamento de Hipólita e Teseu. Se com tratável disposição quiserdes
tomar parte de nossa alegre ronda e ver os ludos à clara luz da lua, sois bem-vindo. Se não poupai-me,
que eu terei cuidado de evitar vossos sítios preferidos.

OBERON - Dá-me o menino e eu seguirei contigo.

TITÂNIA - Nem por todo o teu reino. Vamos, duendes! A ser da paz amigo nunca aprendes.
(Sai Titânia com seu séqüito.)

OBERON - Bem; segue o teu caminho; deste bosque não sairás sem que por esta injúria te venha a
atormentar. Vem para perto, meu gentil Puck. Certo ainda te lembras de quando eu me sentei num
promontório, a ouvir uma sereia que se achava no dorso de um golfinho e que tão doces melodias
cantava, que o mar bravo deixava apaziguado com seu canto, tendo várias estrelas loucamente suas
órbitas deixado só com o fito de escutar a canção. Ainda te lembras?

PUCK - Perfeitamente.

OBERON - Nesse mesmo instante pude ver, o que a ti fora impossível, como Cupido, inteiramente
armado, se atirava entre a terra e a lua fria. A mira havia posto numa bela vestal que o trono tinha no
ocidente; com energia e decisão dispara do arco a flecha amorosa, parecendo que cem mil corações ferir
quisesse. No entanto eu pude ver a ardente flecha do menino esfriar-se sob a influência da aquosa lua e
de seus castos raios, continuando a imperial sacerdotisa seu virginal passeio, inteiramente livre de
pensamentos amorosos. Vi bem o ponto em que caiu a flecha do travesso Cupido: uma florzinha do
ocidente, antes branca como leite, agora purpurina, da ferida que do amor lhe proveio. "Amor ardente" é
o nome que lhe dão as raparigas. Vai buscar-me essa flor; já de uma feita te mostrei essa planta. Se
deitarmos um pouco de seu suco sobre as pálpebras de homem ou de mulher entregue ao sono, ficará
loucamente apaixonado por quem primeiro vir, quando desperto. Vai buscar-me essa planta; mas retorna
antes de duas léguas no mar vasto nadar o leviatã.

PUCK - Porei um cinto na terra em quatro vezes dez minutos.
(Sai.)

OBERON - De posse desse suco, hei de achar meio de surpreender Titânia adormecida, para nos olhos
lhe deitar o liquido Ao despertar, o que enxergar primeiro, seja leão, urso, lobo, touro, mono buliçoso ou
irrequieto orangotango, perseguirá com alma enamorada. E antes de eu lhe tirar da vista o encanto, o que
farei com o suco de uma outra erva, obrigá-la-ei a me entregar o pajem. Mas quem vem vindo aí? Sendo
invisível, poderei escutar-lhes a conversa.
(Entra Demétrio, seguido de Helena.)

DEMÉTRIO - Não te dedico amor; não me persigas, Onde Lisandro se acha e Hérmia formosa? Quero matá-lo e ser por ela morto. Disseste que ambos nesta selva estavam; como selvagem, no entretanto, eu
corro desesperado seus recantos todos sem poder encontrar Hérmia adorada. Vai-te! Fora daqui! Não me
persigas!

HELENA - imã de coração endurecido, sou por vós atraída, mas de ferro não tenho o coração; como o
aço é puro. Cessai de me aliciar e, incontinenti, deixarei de seguir-vos.

DEMÉTRIO - Alicio-vos? Acaso já vos disse galanteios? Ou com franqueza não vos falo sempre que
não vos amo nem vos posso amar?

HELENA - Por isso mesmo é que vos amo tanto. Vosso cãozinho sou. Demétrio altivo, quanto mais me
baterdes, mais afável hei de me revelar. Como cãozinho me tratai; repeli-me, dai-me golpes, não vos
lembreis de mim, deixai-me à toa; mas por mais que de tudo eu seja indigna, permiti que vos siga. Mais
modesto lugar em vosso amor não me é possível. Mas para mim será título honroso como vosso cãozinho
ser tratada.

DEMÉTRIO - Não me forceis a repugnância da alma; sinto-me mal só de vos ver o rosto.

HELENA - E eu doente fico, quando não vos vejo.

DEMÉTRIO - Comprometeis demais vosso recato saindo da cidade, dessa forma, para vos entregardes
indefesa a um homem que faz timbre em desprezar-vos, e assim confiando às tentações da noite e aos
maus conselhos de um lugar deserto o tesouro de vossa virgindade.

HELENA - Vossa virtude é a minha segurança. Quando o rosto vos vejo, deixa a noite de ser noite; por
isso, não presumo que seja noite agora. Nem me faltam mundos de companhia nestes bosques, por serdes
para mim o mundo todo. Como, pois, se dirá que eu estou sozinha, se o mundo todo agora me
contempla?

DEMÉTRIO - Vou deixar-te, esconder-me pelas brenhas e às feras impiedosas entregar-te.

HELENA - Qualquer fera selvagem tem mais brando coração do que vós. Fugi, embora, que a história
mudareis: Apoio corre e Dafne lhe dá caça; a meiga pomba persegue o abutre; a tímida gazela corre
apressada empós do imano tigre, esforço inútil, quando o valor foge e no seu rasto segue a covardia.

DEMÉTRIO - Não quero discutir contigo; deixa-me. Mas se me acompanhares, fica certa de que no
bosque te farei violência.

HELENA - Ofendes-me no templo, na cidade, no campo, em toda parte. Ora, Demétrio! Tua atitude o
sexo nos humilha. Lutas de amor não são para mulheres; no entanto a corte me fazer não queres.
(Sai Demétrio.)
Vou te seguir e um céu fazer do inferno; morta por ti, ganho terei eterno.
(Sai.)

OBERON - Adeus, ninfa! Este bosque ele não deixa sem que de lhe fugires tenha queixa.
(Puck torna a entrar.)
Trouxeste a flor? Sê, pois, bem-vindo, espírito vagueante.

PUCK - Ei-la aqui.

OBERON - Agradecido. Sei o lugar onde há belo canteiro que o ar embalsama de agradável cheiro do

tomilho selvagem, da sincera violeta e da graciosa primavera, onde há latada de fragrantes rosas e
madressilvas nímio dulçorosas. Titânia ai parte da noite dorme sob gracioso dossel petaliforme, por
danças e canções acalentada. A serpe ai deixa a pele variegada, grande bastante para de vestido a uma
fada servir, fino e comprido. Pôr-lhe-ei nos olhos este suco brando, de odiosas fantasias lhe deixando
cheia a imaginação. Toma uma parte dele também, e do poder comparte que com ele te confio. Na
floresta te cumpre achar uma ateniense mesta que, desprezada, de paixão se fina por altivo rapaz de alma
ferina. Quando a dormir o achares, de mansinho nas pálpebras lhe deita um bocadinho do suco. Mas
cuidado! É indispensável que, ao despertar, tenha ele à vista a amável dama que ora despreza. Muito fácil
te será conhecê-lo, que ele o grácil traje dos atenienses apresenta. Sendo tu cuidadoso, ele violenta
paixão há de sentir, mais acendrada do que revela a jovem namorada. Volta antes que primeiro cante o
galo.

PUCK - Ficai tranqüilo; saberei achá-lo.
(Saem.)

ATO V,Cena II

William Shakespeare, Sonho de uma noite de verão,ATO V,Cena II

Entra Puck.

PUCK - Ruge o leão a cada passo, uiva o lobo para a lua, ressona o campônio lasso, deslembrado da
charrua. Consomem-se na lareira as últimas acendalhas; o pio da ave agoureira fala ao doente em
mortalhas. Nesta hora da noite escura as pobres almas andejas se esgueiram da sepultura rumando para as
igrejas. Nós, os elfos, que a parelha de Hécate sempre seguimos, e da luz do sol, vermelha, como num
sonho, fugimos, de guarda estamos agora. Nenhum rato, em qualquer hora, a paz deixe perturbada desta
casa abençoada. Com vassoura eu vim na frente para limpar o batente e jogar nesta hora morta todo o pó
atrás da porta.
(Entram Oberon, Titânia e séqüito.)

OBERON - Por tudo a luz espalhai do quase extinto carvão. Elfos e fadas, dançai, aproveitando o clarão,
e, seguindo o meu caminho, cantai comigo baixinho.

TITÂNIA - Aprendei, primeiro, a toada com letra bem cadenciada; depois, com graça, dancemos e esta
casa abençoemos.
(Cantam e dançam.)

OBERON - Enquanto a aurora se atrasa, rondai todos esta casa, que ao tálamo principal vou lançar a
bênção real. Sua prole numerosa será sempre venturosa. Os três casais que aqui estão em concórdia
viverão; seus filhos não serão presa das manchas da Natureza. Beiço de lebre, sinais e outros defeitos que
tais, que deixam triste o aleijão, seus filhos nunca terão. Com orvalho consagrado cada elfo cumpra o
recado, este palácio abençoando e paz por tudo espalhando. Jamais caia em abandono, feliz seja sempre o
dono. Mãos à obra, agora, sem mais demora! Ide ver-me antes da aurora.
(Saem Oberon, Titânia e séqüito.)

PUCK - Se vos causamos enfado por sermos sombras, azado plano sugiro: é pensar que estivestes a
sonhar; foi tudo mera visão no correr desta sessão. Senhoras e cavalheiros, não vos mostreis zombeteiros;
se me quiserdes perdoar, melhor coisa hei de vos dar. Puck eu sou, honesto e bravo; se eu puder fugir do
agravo da língua má da serpente, vereis que Puck não mente. Liberto, assim, dos apodos, eu digo
boa-noite a todos. Se a mão me derdes, agora, vai Robim, alegre, embora.

(Sai.)

ATO I,Cena V

MACBETH,William Shakespeare,ATO I,Cena V
Inverness
Castelo de Macbeth
Entra lady Macbeth, lendo uma carta.

"Elas me encontraram no dia da vitória e pude verificar, pela mais exata confirmação, que são dotadas de saber mais do que humano; Quando eu ardia em desejos de continuar a interrogá-las, desfizeram-se em ar, no qual se dissiparam; Enquanto eu me encontrava tomado de estupor com o que acontecera, chegaram mensageiros do rei, que me cumprimentaram a uma voz como "Thane de Cawdor", título com que, antes, me haviam saudado as irmãs feiticeiras, referindo-se ao meu futuro por este modo: "Salve!
Ainda virás a ser rei!"Pareceu-me bem comunicar-te o que se passou, companheira querida de minha
grandeza, para que não viesses a perder a parte que te cabe dessa felicidade, com ignorares o futuro que
te está prometido; Guarda isto no coração e adeus." Glamis já és e Cawdor, e em futuro virás a ser o que
te prometeram; temo, porém, a tua natureza cheia de leite da bondade humana, que entrar não te
consente pela estrada que vai direito à meta; desejaras ser grande, e não te encontras destituído, de todo,
de ambição; porém careces da inerente maldade; o que desejas com fervor, desejaras santamente; não
queres jogo ilícito, ruas queres ganhar mal; Desejaras, grande Glamis, possuir o que te grita: "Desse modo precisarás fazer, para que o tenhas!" Mas antes medo tens de fazer isso do que desejas que não fique feito; Vem para cá, para que meus espíritos nos ouvidos te deite e com a ousadia de minha língua
chicoteie quantos obstáculos te separam do áureo círculo com que o destino e o auxílio metafísico como
que desde já te coroaram.
(Entra um mensageiro.)
Quais são as novidades?

MENSAGEIRO - Hoje à noite o rei chegará aqui.

LADY MACBETH - Como! Estás louco? Acaso teu senhor não está com ele? Não deixaria de instruções
mandar-me, para os preparativos.

MENSAGEIRO - Com licença mas é verdade; vai chegar o than, uUm dos meus camaradas a dianteira dele tomou, de estafa quase morto, mal lhe restando o fôlego preciso para dar o recado.

LADY MACBETH - Cuidem dele com carinho; traz grandes novidades.
(Sai o mensageiro.)
Rouco está o próprio corvo que crocita a chegada fatídica de Duncan à minha fortaleza; vinde, espíritos que os pensamentos espreitais de morte, tirai-me o sexo, cheia me deixando, da cabeça até aos pés, da mais terrível crueldade! Espessai-me todo o sangue; obstruí os acessos da consciência, porque batida alguma compungida da natureza sacudir não venha minha hórrida vontade, promovendo acordo entre ela e o ato; Ao feminino peito baixai-me, e fel bebei por leite, auxiliares do crime, de onde as vossas
substâncias incorpóreas sempre se acham à espreita de desgraças deste mundo; Vem, noite espessa, e embuça-te no manto dos vapores do inferno mais sombrios, porque as feridas meu punhal agudo não veja que fizer, nem o céu possa espreitar através do escuro manto e gritar: "Pára! Pára!"
(Entra Macbeth.)

Grande Glamis, digno Cawdor, maior do que ambos, ainda, pela futura saudação; Tua carta além me pôs
deste presente néscio, sentindo eu futuro neste instante.

MACBETH - Duncan, meu caro amor, chega esta noite.

LADY MACBETH - E quando vai embora?

MACBETH - Amanhã mesmo, segundo pensa.

LADY MACBETH - O sol, oh! nunca, nunca verá esse amanhã; vosso rosto, meu thane, é um livro aberto em que podemos ler coisas estranhas; para o mundo enganardes, a aparência tomai do mundo;
tende boas-vindas nas mãos, nos olhos e na própria língua; a todos parecei flor inocente, mas sede a serpe que na flor se esconde; Cuidemos do hóspede que chega, sendo que a meu cargo deveis deixar o grande negócio desta noite, que nos há de legar dias e noites de alegria, de mando soberano e de valia.

MACBETH - Depois conversaremos.

LADY MACBETH - Só te digo que a voz mudar é revelar perigo, deixa o resto comigo.
(Saem.)

ATO II,Cena I

MACBETH,William Shakespeare,ATO II,Cena I

Inverness
Pátio no interior do castelo
Entram Banquo e Fleance, precedidos de um criado com uma tocha.

BANQUO - Quanto da noite já será, menino?

FLEANCE - Não ouvi bater horas, mas a lua já se escondeu.

BANQUO - Ela se esconde às doze.

FLEANCE - Penso, senhor, que será mais do que isso.

BANQUO - Toma aqui minha espada; Há economia no céu; todas as luzes se apagaram; Fica também com isto; Em mim se exerce uma pressão pesada como chumbo; No entretanto, quisera não dormir.
Detende em mim, poderes criadores, os pensamentos maus que a natureza permite aos que repousam.
(Entra Macbeth, acompanhado de criado, com uma tocha.)
Quem vem lá?

MACBETH - Um amigo.

BANQUO - Como, senhor! Ainda estais de pé? O rei já foi deitar-se; revelava insólita alegria, tendo
enchido de grossos cabedais vossos celeiros; Saúda vossa esposa, oferecendo-lhe este diamante, como à
mais bondosa das hospedeiras foi-se para o quarto com um contentamento sem limites.

MACBETH - Tomada de surpresa, nossa boa vontade se mostrou serva da faltaSe não, teria inteira
liberdade.

BANQUO - Tudo vai bem; Sonhei na última noite com as três irmãs fatais; Muito verídicas com relação
a vós se revelaram.

MACBETH - Não penso nelas; no entretanto, quando tivermos alguma hora favorável dedicaremos a
isso umas palavras, se o tempo vos sobrar.

BANQUO - Com todo o gosto.

MACBETH - Se no tempo oportuno concordardes com meu modo de ver, ganhareis honra.

BANQUO - Se não vier a perdê-la no propósito de fazê-la aumentar, puro deixando-me o coração e
límpida a obediência, ouvir-vos-ei de grado.

MACBETH - Bom repouso até esse dia.

BANQUO - Muito agradecido, meu senhor; iguais votos vos dirijo.
(Saem Banquo e Fleance.)

MACBETH - Vai dizer à senhora que me faça sinal com o sino, quando estiver pronta minha bebida.
Depois disso, deita-te.
(Sai o criado.)
Será um punhal que vejo em minha frente com o cabo a oferecer-se-me? Peguemo-lo, não te apanhei ainda; no entretanto, vejo-te sempre, não serás sensível, visão funesta, ao tato como à vista? Ou de um punhal não passas, simplesmente, do pensamento, uma criação fictícia, procedente do cérebro escaldante? Percebo-te, no entanto, e tão palpável como este que ora empunho; Mostras-me a estrada que seguir eu devo e o instrumento que a usar serei forçado; Se meus olhos joguete não se mostram de meus
outros sentidos, sobrepujam todos eles, ainda te percebo, manchado o cabo e a lâmina de gotas de sangue que antes não estava neles não existe tal coisa; é o sanguinário projeto que a meus olhos toma forma em metade do mundo, neste instante, parece estar sem vida a natureza; os sonhos maus iludem sob as pálpebras o sono bem velado; feiticeiras o rito exercem singular da pálida Hécate; o esquálido assassino, posto de alerta pela sua sentinela, o lobo, cujo uivar lhe serve de horas, com passo de ladrão e o andar furtivo de Tarquínio, da meta se aproxima, tal qual fantasma; Ó terra forte e sólida, não ouças o barulho de meus passos, seja qual for a direção que tomem, porque as próprias pedrinhas não propalem
para onde eu vou e dissipar não façam o horror desta hora que tão bem lhe fica eu ameaço; ele vive; congelada pelo meu sopro a ação se torna em nada.
(O sino soa.)
Já vou; está feito; O sino me convida; Duncan, não ouças; é um chamado eterno que para o céu te leva ou
para o inferno.
(Sai.)

ATO II, Cena IV

MACBETH,William Shakespeare,ATO II, Cena IV

O mesmo
Do lado de fora do castelo
Entram Ross e um velho.

O VELHO - Posso lembrar-me bem de setenta anos; nesse espaço de tempo vi terríveis horas e coisas por
demais estranhas; mas esta noite triste deixa longe tudo quanto até agora eu conhecia.

ROSS - Ó meu bom pai! O céu, como estás vendo, indignado com o jogo dos humanos, comina ameaças ao sanguíneo palco; Pelo relógio, é dia; no entretanto, atrasa a lâmpada ambulante a noite caliginosa e tão potente a noite? É a vergonha do dia que permite que a treva cubra o rosto, assim, da terra, a que beijar devera a luz radiosa?

O VELHO - É contra a natureza, tal como o ato que aqui foi perpetrado; Na passada terça-feira um falcão
que se gloriava no remígio habitual, preado e morto foi por uma coruja caça-ratos.

ROSS - E os cavalos de Duncan - fato estranho por demais, porém certo - tão velozes e formosos,
ornatos de sua raça, tornaram-se selvagens, as cocheiras arrebentaram, contra as ordens todas,
puseram-se a correr, como querendo guerrear a humanidade.

O VELHO - Dizem que eles se devoraram mutuamente.

ROSS - É certo; para perplexidade destes olhos, que tudo presenciaram; Aí vem vindo o bondoso Macduff.
(Entra Macduff)
Então, senhor, como vai indo o mundo?

MACDUFF - Então não vedes?

ROSS - Já se conhece o autor desse atentado mais do que sanguinário?

MACDUFF - Os camareiros apunhalados por Macbeth.

ROSS - Oh dia! E acaso a que vantagens aspiravam?

MACDUFF - Estavam subornados; os dois filhos do rei, Malcolm e Donalbain, fugiram, o que faz cair neles a suspeita.

ROSS - Sempre contrário à natureza! Ó fútil ambição que destróis as próprias fontes de tua vida! Assim, é bem possível que Macbeth suba ao trono.

MACDUFF - Proclamado já foi, tendo ido agora para Scone, a fim de ser coroado.

ROSS - E que fizeram do cadáver de Duncan?

MACDUFF - Foi levado para Kolmekill, sacra sepultura de seus antepassados e guarida de seus restos mortais.

ROSS - Ireis a Scone?

MACDUFF - Não, primo; vou a Fife.

ROSS - Pois eu vou.

MACDUFF - Que tenhais festa alegre e sem fadiga, não vindo a lastimar a roupa antiga.

ROSS - Adeus, pai.

O VELHO - Deus vos proteja e a quantos sabem a arte de trazer o inimigo à boa parte.
(Saem.)

ATO III,Cena I

MACBETH,William Shakespeare,ATO III,Cena I

Forres
Um quarto no palácio
Entra Banquo.

BANQUO - Tens tudo agora: és rei, Cawdor e Glamis, como as bruxas proféticas disseram, mas temo que roubado ao jogo houvésseis mas foi dito também que não havia de ficar isso em tua descendência e
que viria a ser raiz e tronco de numerosos reis; Se falam certo, como se deu, Macbeth, a teu respeito, por
que - se tudo quanto te auguraram se tornou realidade - não hão de elas ser-me o mesmo que oráculo,
deixando-me também esperançado? Mas, silêncio!
(Fanfarra; Entram Macbeth, como rei; lady Macbeth, como rainha; Lennox, Ross, nobres, damas e
pessoas do séqüito.)

MACBETH - Eis nosso convidado principal.

LADY MACBETH - Se olvidado ele houvesse sido, fora como um vazio em nossa grande festa, vindo
tudo a falhar.

MACBETH - Uma solene ceia, senhor, daremos esta noite, esperando que nela tomeis parte.

BANQUO - Bastará que mo ordene Vossa Alteza, a quem me liga minha obediência, para sempre, por
laços inquebráveis.

MACBETH - Viajareis esta tarde?

BANQUO - Sim, milorde.

MACBETH - Se não, pedira vossos bons conselhos - que de peso são sempre e proveitosos - para a reunião que vamos ter agora; Nesse caso, amanhã vos ouviremos; Ides longe?

BANQUO - O suficiente, meu senhor, apenas para o tempo ocupar de agora à ceia; Se não se esforçar muito meu cavalo, à noite poderei pedir de empréstimo uma ou duas de suas horas foscas.

MACBETH - Vinde sem falta para nossa festa.

BANQUO - Não faltarei, milorde.

MACBETH - Notícia já tivemos de que nossos sanguinários parentes se passaram para a Inglaterra e Irlanda, e que ainda negam o parricídio cruel, enchendo as ouças de todos com estranhas fantasias, mas sobre isso, amanhã, já que teremos de tratar de um negócio de importância relativo ao Estado; Levais Fleance?

BANQUO - Sim, meu senhor; o tempo nos reclama.

MACBETH - Desejo-vos cavalos de pés firmes e bem velozes, e ao costado deles vos recomendo.Adeus.
(Sai Banquo.)
Todos agora o tempo gastem como lhes parecer melhor, até às sete horas porque depois nos seja a sociedade muito mais agradável, até à ceia iremos ficar só até esse instante, que Deus seja convosco.
(Saem todos, com exceção de Macbeth e um criado.)
Olá, maroto, uma palavra! Aguardam nossas ordens aqueles indivíduos?

CRIADO - Sim, milorde, no portão do palácio.

MACBETH - Ide buscá-los.
(Sai o criado.)
Ser rei assim, é nada; é necessário sê-lo com segurança é muito grande nosso medo de Banquo; em sua postura soberana domina qualquer coisa que deve ser temido e corajoso como poucos e à têmpera indomável do espírito une uma sabedoria que faz o valor no alvo acertar sempre tirante ele, não há pessoa alguma de quem eu tenha medo, e junto dele meu gênio se intimida, como dizem que com o de Marco Antônio acontecia, quando junto de César; Dirigiu-se corajoso às irmãs, interpelando-as quando o nome de rei elas me deram, forçando-as a falar-lhe a seu respeito, ao que elas, quais videntes, o saudaram como pai de uma série de monarcas; Na cabeça puseram-me a coroa sem frutos e nas mãos o cetro estéril, para que mo arrebate um punho estranho, pois para herdeiro nenhum filho tenho; Se for assim, para a posteridade de Banquo, tão-somente, sujei a alma; matei para eles o gracioso Duncan; por causa
deles ódio pus no vaso da minha paz, havendo entregue a minha jóia eterna ao comum imigo do homem, para fazê-los reis, para dos filhos de Banquo fazer reis! Antes que venha isso a se dar, que à liça baixe o fado, para o combate eterno; Quem vem lá?
(Entra o criado, com dois assassinos.)
Fica na porta e espera até que eu chame.
(Sai o criado.)
Não foi ontem que juntos conversamos?

PRIMEIRO ASSASSINO - Sim, com vossa licença, majestade.

MACBETH - Muito bem; refletistes no que eu disse? Sabeis, pois, que foi ele quem, até hoje, vos tem deixado em posição precária, o que pensáveis que era culpa minha; Tudo isso vos expus à farta em nossa última conferência; apresentei-vos as provas da maneira por que tendes sido prejudicados e burlados, os
instrumentos, quem os manejava, e tudo o mais, que proclamar faria até mesmo meia alma ou tipo idiota:
"Eis o que Banquo fez!"

PRIMEIRO ASSASSINO - Sim, explicastes-nos.

MACBETH - Sim; mas fiz mais ainda, o que é o objeto desta nossa segunda conferência; Porventura a paciência predomina tanto em vós, que deixeis passar tudo isso? Tão religiosos sois, que poderíeis rezar pela prosperidade deste bom homem e dos seus, sendo verdade que sua mão pesada à sepultura vos fez
vergar e para todo o sempre vos arruinou a casa?

PRIMEIRO ASSASSINO - Somos homens, meu suserano.

MACBETH - Sim, passais por homens no catálogo, como os perdigueiros, os galgos e os mastins, alãos e
gosos, molossos, braços, dogues e rafeiros também de cães, por junto, são chamados; mas distingue o registo o vagaroso, o veloz, o guardião, o de bom faro, cada um conforme as próprias qualidades que lhe haja dado a liberal natura e que um título à parte lhes granjeia na lista em que se encontram conglobados.
Com os homens dá-se o mesmo assim, se tendes um lugar no registo, não sendo ele o mais mesquinho e vil da humanidade, falai, que então vos confiarei ao peito certo assunto, de cujo cumprimento resultará ficar vosso inimigo supresso para sempre e vós mais presos à nossa gratidão e nosso afeto, pois também se ressente nosso estado da vida dele, e só se refará se vier a falecer.

SEGUNDO ASSASSINO - Meu suserano, sou um indivíduo que os maldosos golpes do mundo e seus embates irritado de tal modo deixaram, que faria não importa o que for para vexá-lo.

PRIMEIRO ASSASSINO - E eu sou outro tão lasso de desastres, tão amassado pelo vil destino, que a vida arriscaria em qualquer lance, para de vez perdê-la ou endireitá-la.

MACBETH - Sabeis que Banquo foi vosso inimigo.

SEGUNDO ASSASSINO - É certo, meu senhor.

MACBETH - E meu é ainda, em conflito a tal ponto sanguinário, que os minutos de toda a sua vida ferem de perto o coração da minha; É bem verdade que eu podia, às claras, varrê-lo para longe,
reportando-me tão-só ao meu querer mas me contenho por causa de comuns amigos, cuja afeição não desejo ver perdidaTerei de lastimar, assim, a morte de quem eu derrubei; Esse o motivo de recorrer agora a vosso auxílio, pois me forçam razões de muito peso a evitar que se vulgue esse negócio.

SEGUNDO ASSASSINO - Senhor, faremos quanto nos mandardes.

PRIMEIRO ASSASSINO - Embora nossas vidas...

MACBETH - A coragem transparece de vós; Dentro de uma hora, no máximo, hei de vos mostrar o ponto em que deveis ficar e a par vos ponho da ocasião mais propícia para a coisa, do momento
adequado, pois que tudo precisará ser feito ainda esta noite, a uma certa distância do palácio, sem que vos esqueçais de que preciso ficar sem mancha nisso juntamente com ele - para que o trabalho saia sem o menor senão - Fleance, seu filho, que com ele também saiu de viagem e cujo afastamento não me importa menos do que o do pai, compartir deve também dessa hora negra; Tomai vossas resoluções à parte; já vos sigo.

SEGUNDO ASSASSINO - Já resolvemos, meu senhor.

MACBETH - Em pouco vos chamarei; ficai dentro de casa
(Saem os assassinos.)
Está feitoSe há ponto em que se acoite, Banquo, tua alma no céu, será esta noite.
(Sai.)

ATO III, Cena II

MACBETH,William Shakespeare, ATO III, Cena II

O mesmo
Outro quarto no palácio
Entram Lady Macbeth e um criado

LADY MACBETH - Banquo deixou o pátio?

CRIADO - Deixou, senhora; mas retorna à noite.

LADY MACBETH - Vai, dize ao rei que eu quero ter com ele uma conversa rápida.

CRIADO - Isso mesmo, senhora, lhe direi.
(Sai.)
LADY MACBETH - Tudo é perdido, quando o desejo fica repartido toca ao morto decerto melhor sorte que a de alegrar-se assim quem lhe deu morte(Entra Macbeth.) Então, marido, por que só ficardes,
tendo por companhia as fantasias mais desconsoladoras e ocupando-vos com pensamentos que já deveriam ter morrido com quem se relacionam? O que não tem remédio, não devera ser pensado sequer.
O que está feito, não está por fazer.

MACBETH - Nós só talhamos a serpe, sem matá-la; Em pouco tempo se refará e volta a ser o que era,ficando o nosso miserável ódio de novo exposto ao seu antigo dente; Que a estalar venham todas as
junturas das coisas e a gemer ambos os mundos, antes de termos de tomar os nossos alimentos com medo e de dormirmos na aflição desses sonhos pavorosos que nos têm abalado as noites todas; Muito melhor nos fora estar com o morto que, para nossa própria paz, mandamos para o seio da paz, do que vivermos no banco de tormento de nossa alma, numa angústia sem fim; Duncan descansa no sepulcro; tranqüilo dorme, agora, depois das convulsões febris da vida; A traição lhe fez tudo o que podia; a perfídia
doméstica, o veneno, o aço, a invasão de fora, nada pode, doravante, atingi-lo.

LADY MACBETH - Caro esposo, saiamos; Alisai esse olhar crespo; sede claro e jovial com todos hoje.

MACBETH - Sê-lo-ei, amor; o mesmo vos desejo; A Banquo dedicai todas as vossas atenções,
distinguindo-o dentre todos com palavras e olhares; Pouco firme é nossa situação, enquanto for preciso lavar nossas honras nessa corrente aduladora e as feições empregarmos como máscara do coração, que os traços lhe disfarce.

LADY MACBETH - Precisais deixar isso.

MACBETH - Oh! tenho o espírito cheio de escorpiões, querida esposa! Sabeis que vivem Banquo e seu
Fleance.

LADY MACBETH - Mas eterna não é neles a cópia da natureza.

MACBETH - É o que consola a gente; são vulneráveis; Fica, pois, alegre antes de completar o vôo em torno do convento o morcego e Hécate negra ter ordenado que o besouro córneo com seu zumbido surdo dê o toque sonolento da noite, será feito algo aqui de memória pavorosa.

LADY MACBETH - O que é que vai ser feito?

MACBETH - Não macules tua inocência com saberes isso, minha pombinha, até saudares o ato; Vem, noite cega, tapa os olhos ternos do dia compassivo, e com sangrentas mãos e invisíveis rasga o grande pacto que me deixa tão pálido! Escurece; para a mata sombria voa a gralha; Vacila o claro agente, de fraqueza; mas a noite se atira para a presa; Admiras-te; mas fica sossegada, que o mal reforça a ação mal começada. Por favor, acompanha-me.
(Saem.)

ATO III, Cena V

MACBETH,William Shakespeare,ATO III, Cena V

A charneca;Trovão; Entram as três bruxas, que encontram Hécate.

PRIMEIRA BRUXA - Hécate, que houve? Pareceis zangada.

HÉCATE - Causa não tenho, feiticeiras? Qual a razão, bisbilhoteiras, de ser Macbeth neste negócio de morte e enigmas vosso sócio, enquanto eu, dona de vós todas, que apresto sempre as negras bodas, não fui chamada a tomar parte no brilho e glória de nossa arte? E o que é pior: quanto fizestes a tudo vos mostrando prestes, foi para um tipo truculento de mui grosseiro acabamento que não vos tem nenhuma estima e só de egoísmo em tudo prima; Mas emendai-vos; e defronte do fundo charco do Aqueronte amanhã cedo ide encontrar-me, que ele em estado está de alarme, e para lá, quase sem tino, irá saber de seu destino; Vasos e encantos tende à mão; de tudo basta provisão; Para o ar me vou; na noite escura
farei bem cedo uma ação dura; De uma grande obra a fantasia será completa enquanto é dia; Ora uma gota espessa e crua dos cornos pende ali da lua; Vou apanhá-la antes que caia, pois, destilada, de atalaia gênios porá de tanto alcance que, por sua força, ele se lance na destruição, à morte e ao fado a resistir qual renegado, pondo a esperança acima em tudo da própria graça e o medo agudoPara os mortais a segurança é o imigo mor, que jamais cansa.
(Canção dentro: "Vinde, vinde," etc.)
Chamam-me; é meu espírito travesso que me aguarda das nuvens num cabeço.
(Sai.)

PRIMEIRA BRUXA - Apressemo-nos; ela volta logo.
(Saem.)

Cena VI

Forres;Um quarto no palácio;Entram Lennox e outro nobre.

LENNOX - Meu discurso anterior só mui de leve tocou em vossos pensamentos, sendo-vos agora facultado interpretá-lo como vos aprouver; Direi somente que tudo se passou por modo estranho; Por Macbeth foi chorado o meigo Duncan; Que pena! Estava morto; Muito tarde saiu de casa o nosso bravo; Banquo, que, podereis dizer, se assim quiserdes, Fleance matou, pois Fleance fugiu logo; É perigoso passear de noite; A quem não ocorreu o pensamento de quão monstruoso foi haver Malcolm e Donalbain o pai assassinado? Que ação maldita! E como entristecido deixou Macbeth! Pois ele, na mesma hora, arrebatado de um furor piedoso, em pedaços não fez os dois facínoras, servos do sono e escravos da bebida? Não foi nobre tudo isso? E foi prudente; Pais qualquer coração se tornaria por demais irritado, quando os homens negar ouvisse o fato; Assim, vos digo, soube fazer a coisa, como penso que se ele vier a ter sob chave os filhos de Duncan - o que nunca, Deus louvado, chegará a conseguir - hão de ver ambos o que é matar o pai e o mesmo, Fleance; Mas, silêncio! Por causa de palavras um tanto livres e por ter faltado à festa do tirano, soube há pouco que em desgraça Macduff agora vive; Caro senhor, dizer-me
poderíeis em que lugar ele encontrou abrigo?

NOBRE - Na corte da Inglaterra vive o filho de Duncan, cuja herança verdadeira o tirano retém, e é recebido pelo piedoso Eduardo com tal graça que a má vontade da fortuna em nada do alto respeito
merecido o priva; Para lá foi Macduff, a fim de ao santo rei suplicar auxílio, no sentido de estimular Northumberland e o bravo Siward, e assim, com a ajuda desses nobres - confirmando lá do alto Deus tudo isso - possamos restituir a nossas mesas os alimentos, sono a nossas noites, livrar nossos festejos e
banquetes das facas sanguinárias, homenagens da lei prestar e receber as honras a que temos direito, coisas essas que nos faltam de todo essa notícia exasperou o rei de tal maneira que aprontando se está para uma guerra.

LENNOX - Mandou ele a Macduff algum recado?

NOBRE - Mandou; porém o mensageiro turvo com um resoluto "Eu não, senhor!" as costas voltou-me decidido, resmungando, como quem diz: "Haveis de arrepender-vos do tempo que me impõe essa resposta".

LENNOX - Que isso o ensine a ser cauto, conservando-se a distância que possa aconselhá-lo sua sabedoria; Se um santo anjo fosse à Inglaterra e desse o seu recado antes de ele chegar, para que pronta bênção se espalhe logo em nossa pátria que geme ao peso dessa mão maldita!

NOBRE - Mandaria com ele minhas preces.
(Saem.)

ROMEU E JULIETA, ATO I, Cena IV

O mesmo Uma rua. Entram Romeu Mercúcio, Benvólio, com cinco ou seis mascarados, Portadores de
tochas e outras pessoas.

ROMEU - Por escusas faremos um discurso, ou entramos sem nenhuma apologia?

BENVÓLIO - Muito falar destoa deste dia. Não precisamos hoje de Cupido com venda sobre os olhos e
arco tártaro de ripa multicor, que infunde medo, como espantalho o faz, no mulherio. Não; nem também
de prólogo matado, que o ponto diz antes de nossa entrada. Que nos tomem por quem melhor acharem;
mediremos com todos alguns passos e, após, saímos.

ROMEU - Dai-me uma das tochas; não me acho hoje disposto para saltos. Estando enfarruscado, aclaro a
estrada.

MERCÚCIO - Não; tereis de dançar, gentil Romeu.

ROMEU - Não; podeis crer-me: tendes sapatinhos de sola leve, própria para dança. Eu, tenho alma de
chumbo que, prendendo-me à terra, não me deixa dar um passo.

MERCÚCIO - Sois um apaixonado. Por empréstimo tomai as lestes asas de Cupido, que heis de pairar
por sobre a mediania.

ROMEU - Tão traspassado estou por suas setas que suas lestes asas não conseguem transportar-me para
o alto: tão peado, que não posso deixar a dor obscura, sob o fardo do amor gemendo sempre.

MERCÚCIO - Mas para estar sob ele, é necessário que carregueis o amor, peso excessivo para coisa tão
terna.

ROMEU - Coisa terna julgais que seja o amor? Não; muito dura: dura e brutal, e fere como espinho.

MERCÚCIO - Se o amor convosco é duro, sede duro também com ele, revidando todas as pancadas que
der. Ponde-o no chão. Dai-me uma cobertura para o rosto. Em cima de uma máscara ponho outra. Que
me importa que o olhar curioso possa perceber a feiúra? Por mim hão de corar estas salientes
sobrancelhas.

BENVÓLIO - Vamos bater e entrar e, uma vez dentro, que bom uso das pernas todos façam.

ROMEU - Dai-me uma tocha; que esses rapazolas de leve coração cócegas façam com os sapatos nos
juncos insensíveis. Já meu avô dizia sentencioso: seguro a luz e fico a observar tudo. Fora, muita
algazarra; eu, triste e mudo.

MERCÚCIO - Mudo é o rato no charco, diz o guarda. Se mudo te tornares, arrancamos-te do charco -
com licença! - de Cupido, onde estás enterrado até às orelhas. Sigamos, que isto é acender luz de dia.

ROMEU - Não, não é isso.

MERCÚCIO - Minha alegoria, senhor, indica que, como de dia, gastamos nossa luz inutilmente.

Conservai esse dito sempre em mente, que mais saber contém do que, reunidos, todos os nossos cinco ou
seis sentidos.

ROMEU - Sim, é o que faço nesta mascarada; mas é absurdo.

MERCÚCIO - Por que não vos agrada?

ROMEU - Tive um sonho esta noite.

MERCÚCIO - Oh! eu também.

ROMEU - Sobre quê?

MERCÚCIO - Sonho algum verdade tem.

ROMEU - Quando dormimos, tudo neles cabe.

MERCÚCIO - Oh! Visitou-vos a Rainha Mab.

BENVÓLIO - Quem é a Rainha Mab?

MERCÚCIO - É a parteira das fadas, que o tamanho não chega a ter de uma preciosa pedra no dedo
indicador de alta pessoa. Viaja sempre puxada por parelha da pequeninos átomos, que pousam de través
no nariz dos que dormitam. As longas pernas das aranhas servem-lhe de raios para as rodas; é a capota de
asa de gafanhotos; os tirantes, das teias mais sutis; o colarzinho, de úmidos raios do luar prateado. O
cabo do chicote é um pé de grilo; o próprio açoite, simples filamento. De cocheiro lhe serve um
mosquitinho de casaco cinzento, que não chega nem à metade do pequeno bicho que nos dedos costuma
arredondar-se das criadas preguiçosas. O carrinho de casca de avelã vazia, feito foi pelo esquilo ou pelo
mestre verme, que desde tempo imemorial o posto mantém de fabricante de carruagens para todas as
fadas. Assim posta, noite após noite ela galopa pelo cérebro dos amantes que, então, sonham com coisas
amorosas; pelos joelhos dos cortesãos, que com salamaleques a sonhar passam logo; pelos dedos dos
advogados, que a sonhar começam com honorários; pelos belos lábios das jovens, que com beijos logo
sonham, lábios que Mab, às vezes, irritada, deixa cheios de pústulas, por vê-los com o hálito estragado
por confeitos. Por cima do nariz de um palaciano por vezes ela corre, farejando logo ele, em sonhos, um
processo gordo. Com o rabinho enrolado de um pequeno leitão de dízimo, ela faz coceiras no nariz do
vigário adormecido, que logo sonha com mais um presente. Na nuca de um soldado ela galopa, sonhando
este com cortes de pescoço, ciladas, brechas, lâminas de Espanha e copázios bebidos à saúde, de cinco
braças de alto. De repente, porém, estoura pelo ouvido dele, que estremece e desperta e, aterrorado, reza
uma ou duas vezes e, de novo, põe-se a dormir. É a mesma Rainha Mab que a crina dos cavalos enredada
deixa de noite e a cabeleira grácil dos elfos muda em sórdida melena que, destrançada, augura maus
eventos. Essa é a bruxa que, estando as raparigas de costas, faz pressão no peito delas, ensinando-as,
assim, como mulheres, a agüentar todo o peso dos maridos. É ela, ainda...

ROMEU - Paz, Mercúcio! Paz!

MERCÚCIO - Sim, só falo de sonhos, prole ociosa de um cérebro vadio, a qual de nada provém senão da
inútil fantasia, que é tão firme como o ar, mais inconstante do que o vento que faz a corte ao frio seio do
norte e, sendo repelido, volta de lá bufando e o rosto vira para o sul orvalhoso.

BENVÓLIO - Pois o vento de que falais nos toca para longe de nós próprios. A ceia está acabada;

chegamos muito tarde.

ROMEU - Oh! muito cedo, tenho receio. Apreende meu espírito algo que ainda pende das estrelas e que
vai iniciar seu fatal curso na festa desta noite, pondo termo à vida desprezível que eu carrego no peito,
com qualquer delito absurdo de morte extemporânea. Mas Aquele que se acha no timão de minha viagem
vai dirigir-me a vela. Adiante, amigos

BENVÓLIO - Tocai, tambor!
(Saem.)

ROMEU E JULIETA, ATO II, Cena II

O mesmo. Jardim de Capuleto. Entra Romeu.

ROMEU - Só ri das cicatrizes quem ferida nunca sofreu no corpo.
(Julieta aparece na janela.)
Mas silêncio! Que luz se escoa agora da janela? Será Julieta o sol daquele oriente? Surge, formoso sol, e
mata a lua cheia de inveja, que se mostra pálida e doente de tristeza, por ter visto que, como serva, és
mais formosa que ela. Deixa, pois, de servi-la; ela é invejosa. Somente os tolos usam sua túnica de vestal,
verde e doente; joga-a fora. Eis minha dama. Oh, sim! é o meu amor. Se ela soubesse disso! Ela fala;
contudo, não diz nada. Que importa? Com o olhar está falando. Vou responder-lhe. Não; sou muito
ousado; não se dirige a mim: duas estrelas do céu, as mais formosas, tendo tido qualquer ocupação, aos
olhos dela pediram que brilhassem nas esferas, até que elas voltassem. Que se dera se ficassem lá no alto
os olhos dela, e na sua cabeça os dois luzeiros? Suas faces nitentes deixariam corridas as estrelas, como o
dia faz com a luz das candeias, e seus olhos tamanha luz no céu espalhariam, que os pássaros, despertos,
cantariam. Vede como ela apoia o rosto à mão. Ah! se eu fosse uma luva dessa mão, para poder tocar
naquela face!

JULIETA - Ai de mim!

ROMEU - Oh, falou! Fala de novo, anjo brilhante, porque és tão glorioso para esta noite, sobre a minha
fronte, como o emissário alado das alturas ser poderia para os olhos brancos e revirados dos mortais
atônitos, que, para vê-lo, se reviram, quando montado passa nas ociosas nuvens e veleja no seio do ar
sereno.

JULIETA - Romeu, Romeu! Ah! por que és tu Romeu? Renega o pai, despoja-te do nome; ou então, se
não quiseres, jura ao menos que amor me tens, porque uma Capuleto deixarei de ser logo.

ROMEU (à parte) - Continuo ouvindo-a mais um pouco, ou lhe respondo?

JULIETA - Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuarias sendo o que és, se acaso Montecchio tu não
fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença
ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação
teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição
que dele é sem esse título. Romeu, risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo,

fica comigo inteira.

ROMEU - Sim, aceito tua palavra. Dá-me o nome apenas de amor, que ficarei rebatizado. De agora em
diante não serei Romeu.

JULIETA - Quem és tu que, encoberto pela noite, entras em meu segredo?

ROMEU - Por um nome não sei como dizer-te quem eu seja. Meu nome, cara santa, me é odioso, por ser
teu inimigo; se o tivesse diante de mim, escrito, o rasgaria.

JULIETA - Minhas orelhas ainda não beberam cem palavras sequer de tua boca, mas reconheço o tom.
Não és Romeu, um dos Montecchios?

ROMEU - Não, bela menina; nem um nem outro, se isso te desgosta.

JULIETA - Dize-me como entraste e porque vieste. Muito alto é o muro do jardim, difícil de escalar,
sendo o ponto a própria morte - se quem és atendermos - caso fosses encontrado por um dos meus
parentes.

ROMEU - Do amor as lestes asas me fizeram transvoar o muro, pois barreira alguma conseguirá deter do
amor o curso, tentando o amor tudo o que o amor realiza. Teus parentes, assim, não poderiam desviar-me
do propósito.

JULIETA - No caso de seres visto, poderão matar-te.

ROMEU - Ai! Em teus olhos há maior perigo do que em vinte punhais de teus parentes. Olha-me com
doçura, e é quanto basta para deixar-me à prova do ódio deles.

JULIETA - Por nada deste mundo desejara que fosses visto aqui.

ROMEU - A capa tenho da noite para deles ocultar-me. Basta que me ames, e eles que me vejam! Prefiro
ter cerceada logo a vida pelo ódio deles, a ter morte longa, faltando o teu amor.

JULIETA - Com quem tomaste informações para até aqui chegares?

ROMEU - Com o amor, que a inquirir me deu coragem;. deu-me conselhos e eu lhe emprestei olhos. Não
sou piloto; mas se te encontrasses tão longe quanto a praia mais extensa que o mar longínquo banha,
aventurara-me para obter tão preciosa mercancia.

JULIETA - Sabe-lo bem: a máscara da noite me cobre agora o rosto; do contrário, um rubor virginal me
pintaria, de pronto, as faces, pelo que me ouviste dizer neste momento. Desejara - oh! minto! -
retratar-me do que disse. Mas fora! fora com as formalidades! Amas-me? Sei que vais dizer-me "sim", e
creio no que dizes. Se o jurares, porém, talvez te mostres inconstante, pois dos perjúrios dos amantes,
dizem, Jove sorri. Ó meu gentil Romeu! Se amas, proclama-o com sinceridade; ou se pensas, acaso, que
foi fácil minha conquista, vou tornar-me ríspida, franzir o sobrecenho e dizer "não", porque me faças
novamente a corte. Se não, por nada, nada deste mundo. Belo Montecchio, é certo: estou perdida, louca
de amor; daí poder pensares que meu procedimento é assaz leviano; mas podeis crer-me, cavalheiro, que
hei de mais fiel mostrar-me do que quantas têm bastante astúcia para serem cautas. Poderia ter sido mais
prudente, preciso confessá-lo, se não fosse teres ouvido sem que eu percebesse, minha veraz paixão.
Assim, perdoa-me, não imputando à leviandade, nunca, meu abandono pronto, descoberto tão facilmente
pela noite escura.

ROMEU - Senhora, juro pela santa lua que acairela de prata as belas frondes de todas estas árvores
frutíferas...

JULIETA - Não jures pela lua, essa inconstante, que seu contorno circular altera todos os meses, porque
não pareça que teu amor, também, é assim mudável.

ROMEU - Por que devo jurar?

JULIETA - Não jures nada, ou jura, se o quiseres, por ti mesmo, por tua nobre pessoa, que é o objeto de
minha idolatria. Assim, te creio.

ROMEU - Se o amor sincero deste coração...

JULIETA - Pára! não jures; muito embora sejas toda minha alegria, não me alegra a aliança desta noite;
irrefletida foi por demais, precipitada, súbita, tal qual como o relâmpago que deixa de existir antes que
dizer possamos: Ei-lo! brilhou! Boa noite, meu querido. Que o hálito do estio amadureça este botão de
amor, porque ele possa numa flor transformar-se delicada, quando outra vez nos virmos. Até à vista; boa
noite. Possas ter a mesma calma que neste instante se me apossa da alma.

ROMEU - Vais deixar-me sair mal satisfeito?

JULIETA - Que alegria querias esta noite?

ROMEU - Trocar contigo o voto fiel de amor.

JULIETA - Antes que mo pedisses, já to dera; mas desejara ter de dá-lo ainda.

ROMEU - Desejas retirá-lo? Com que intuito, querido amor?

JULIETA - Porque, mais generosa, de novo to ofertasse. No entretanto, não quero nada, afora o que
possuo. Minha bondade é como o mar: sem fim, e tão funda quanto ele. Posso dar-te sem medida, que
muito mais me sobra: ambos são infinitos.
(A ama chama dentro.)
Ouço bulha dentro de casa. Adeus, amor! Adeus! - Ama, vou já! - Sê fiel, doce Montecchio. Espera um
momentinho; volto logo.
(Retira-se da janela.)

ROMEU - Oh! que noite abençoada! Tenho medo, de um sonho, lisonjeiro em demasia para ser
realidade.
(Julieta torna a aparecer em cima.)

JULIETA - Romeu querido, só três palavrinhas, e boa noite outra vez. Se esse amoroso pendor for sério e
honesto, amanhã cedo me envia uma palavra pelo próprio que eu te mandar: em que lugar e quando
pretendes realizar a cerimônia, que a teus pés deporei minha ventura, para seguir-te pelo mundo todo
como a senhor e esposo.

AMA (dentro) - Senhorita!

JULIETA - Já vou! Já vou! - Porém se não for puro teu pensamento, peço-te...

AMA (dentro) - Menina!

JULIETA - Já vou! Neste momento! - ... que não sigas com tuas insistências e me deixes entregue à
minha dor. Amanhã cedo te mandarei recado por um próprio.

ROMEU - Por minha alma...

JULIETA - Boa noite vezes mil.
(Retira-se.)

ROMEU - Não, má noite, sem tua luz gentil. O amor procura o amor como o estudante que para a escola
corre: num instante. Mas, ao se afastar dele, o amor parece que se transforma em colegial refece.
(Faz menção de retirar-se.)
(Julieta torna a aparecer em cima.)

JULIETA - Psiu! Romeu, psiu! Oh! quem me dera o grito do falcoeiro, porque chamar pudesse esse
nobre gavião! O cativeiro tem voz rouca; não pode falar alto, senão eu forçaria a gruta de Eco, deixando
ainda mais rouca do que a minha sua voz aérea, à força de cem vezes o nome repetir do meu Romeu.

ROMEU - Minha alma é que me chama pelo nome. Que doce som de prata faz a língua dos amantes à
noite, tal qual música langorosa que ouvido atento escuta?

JULIETA - Romeu!

ROMEU - Minha querida?

JULIETA - A que horas, cedo, devo mandar alguém para falar-te?

ROMEU - Às nove horas.

JULIETA - Sem falta. Só parece que até lá são vinte anos. Esqueci-me do que tinha a dizer.

ROMEU - Deixa que eu fique parado aqui, até que te recordes.

JULIETA - Esquecê-lo-ia, só para que sempre ficasses ai parado, recordando-me de como adoro tua
companhia.

ROMEU - E eu ficaria, para que esquecesses, deixando de lembrar-me de outra casa que não fosse esta
aqui.

JULIETA - É quase dia; desejara que já tivesses ido, não mais longe, porém, do que travessa menina
deixa o meigo passarinho, que das mãos ela solta - tal qual pobre prisioneiro na corda bem torcida - para
logo puxá-lo novamente pelo fio de seda, tão ciumenta e amorosa é de sua liberdade.

ROMEU - Quisera ser teu passarinho.

JULIETA - O mesmo, querido, eu desejara; mas de tanto te acariciar, podia, até, matar-te. Adeus;
calca-me a dor com tanto afã, que boa-noite eu diria até amanhã.

ROMEU - Que aos teus olhos o sono baixe e ao peito. Fosse eu o sono e dormisse desse jeito! Vou
procurar meu pai espiritual, para um conselho lhe pedir leal.
(Sai.)

ROMEU E JULIETA, ATO II, Cena I

Verona. Um beco junto do muro do jardim de Capuleto. Entra Romeu.

ROMEU - Como afastar-me, se daqui não pode sair meu coração? Dá meia-volta, pesada argila, e o
centro teu procura.
(Escala o muro e salta para o jardim.)
(Entram Benvólio e Mercúcio.)

BENVÓLIO - Romeu! Primo Romeu!

MERCÚCIO - Ele é prudente, por minha fé, e soube achar a estrada para o leito macio.

BENVÓLIO - Em disparada veio até aqui, tendo pulado o muro que dá para o jardim. Chama-o,
Mercúcio.

MERCÚCIO - Vou conjurá-lo, sim. Romeu! Capricho! paixão! sujeito louco! enamorado! Vem sob a
forma de um gemido fundo; dize uma rima só, que isso me basta. Geme "ai!" e rima "amor" com
"trovador", dize à comadre Vênus algo belo; o filho cego e herdeiro dela insulta, Cupido, o moço
archeiro que um disparo fez tão airoso, quando o Rei Cofétua se apaixonou de uma mendiga jovem. Não
ouve, não se mexe, está parado. O macaco está morto. Vou fazer-lhe um conjuro mais forte. Eu te
conjuro pelos olhos sem par de Rosalina, por sua fronte, os lábios escarlates, os delicados pés, as belas
pernas, as tremulantes coxas e os domínios adjacentes. Conjuro-te, repito, que, tal como és, em nossa
frente surjas.

BENVÓLIO - Se ele te ouve, decerto vais magoá-lo.

MERCÚCIO - Não, isso não o magoa. O que o magoara fora invocar no circulo da amada um espírito
estranho e ai deixá-lo até que ela o tivesse exorcismado. Isso sim, poderia aborrecê-lo; mas minha
invocação é bela e honesta; o nome digo de sua própria amada, só para que ele possa reanimar-se.

BENVÓLIO - Vamos; ele ocultou-se entre essas árvores, para perto ficar da úmida noite. Seu cego amor
diz bem com a escuridão.

MERCÚCIO - Se o amor é cego, nunca acerta no alvo. Agora vai sentar-se sob a fronde de um
nespereiro, a desejar que a amada fosse a fruta que as jovens chamam nêspera, quando riem sozinhas. Ó
Romeu! se ela fosse um "Et cetera", realmente, bem aberto, e tu, pêra açucarada! Romeu, boa noite! Vou
para meu leito de rodas; esta cama de campanha para mim é muito úmida. - Não vamos?

BENVÓLIO - Vamos, então; pois é canseira inútil procurar quem não quer ser encontrado.

ROMEU E JULIETA, ATO II, Cena III

O mesmo. Cela de frei Lourenço. Entra frei Lourenço com um cesto.

FREI LOURENÇO - Ri para a noite escura a manhã bela e de riscas as nuvens acairela; como um
bêbedo, foge cambaleante a escuridão, na estrada do levante, deixando atrás o carro do Titã. Antes,
porém, que o sol venha a manhã tornar alegre, com seu olho ardente e o orvalho desmanchar da flor
pendente, encher vou de sementes perigosas meu paneiro e de flores venenosas. A terra é a mãe e a
tumba da natura; ministra a morte e, assim, apresta a cura. Filhos de vária espécie, no seu seio a mamar
encontramos, sem receio; uns, por várias virtudes, excelentes; cada um com a sua, todos diferentes. Oh! é
admirável a potente graça que há nas ervas, na flor, na pedra crassa, pois até mesmo o que há de vil na
terra algo de bom, influência dela, encerra; nem nada bom existe, que, torcido do uso normal, não se
revele infido à própria natureza e nascimento. Té mesmo a alta virtude, num momento, mal aplicada, em
vício se transforma, e este, por vezes, ao dever dá a norma. Na corola infantil desta florzinha veneno
mora que dá morte asinha. Cheirado, ao corpo todo dá alegria; mas pára o coração no mesmo dia, quando
dado a beber. Dois reis potentes nas plantas e nos homens oponentes acampamento têm: a atroz cobiça e
a graça benfazeja. Se insubmissa se mostra a pior, então vem logo o verme da morte e rói essa plantinha
inerme.
(Entra Romeu.)

ROMEU - Bom dia, meu bom padre.

FREI LOURENÇO -Benedicite! Quem me fala a estas horas? Como! Disse-te algo ruim o coração tão
cedo, que te causasse, assim, cuidado ou medo? Nas pálpebras dos velhos o cuidado de guarda sempre
está; e onde um soldado desses se encontra, o sono não penetra. Mas cedo ou tarde, em plena noite tetra,
quando os membros estende a mocidade despreocupada e livre - bela idade! - domina o sono de ouro. Por
tudo isso tua aparência, assim, de pleno viço, nesta hora matutina me assegura que algo escondes de
grave na postura. Ou então direi, se acaso em erro estou, que esta noite Romeu não se deitou.

ROMEU - Sim, mas tive um repouso papafina.

FREI LOURENÇO - Ah! Deus que te perdoe; com Rosalina?

ROMEU - Rosalina, bom padre? Que pergunta! Esqueci esse nome e a dor adjunta.

FREI LOURENÇO - És meu bom filho. Então, onde estiveste?

ROMEU - Vou te contar, pois permissão me deste. Fui a casa do nosso grande imigo, onde ferido fui,
para castigo, por quem feri também. Nosso remédio só nos poderá vir por intermédio de teu auxílio e
sacra medicina. Santo homem, não agraves minha sina, porque este meu pedido - observa-o bem - a
minha imiga amparará também.

FREI LOURENÇO - Sê mais claro, meu filho; a confissão por enigmas não chega à absolvição.

ROMEU - Ouve então, sem me teres por faceto, que amo a filha do rico Capuleto. Meu coração é dela; o
dela é meu. Tudo está combinado; no apogeu do amor estamos, só faltando, agora, que nos designes o
lugar e a hora para o sagrado enlace. Mais de espaço te contarei, sem alterar um traço, onde nos vimos,
como nos falamos e de que modo os votos confirmamos. Mas não concluas que te falo a esmo; desejo
que nos cases hoje mesmo.

FREI LOURENÇO - Por São Francisco! Que mudança é essa? Rosalina adorada e tão depressa posta no
esquecimento? O coração no amor dos moços nada influi, senão somente os olhos. Ai! Jesus Maria!
Quantas ondas salgadas, noite e dia, a postura banharam-te amarela, só pelo amor de Rosalina bela?
Quanta água salsa em vão jogada fora por um amor que ele não sente agora! Não desfez ainda o sol, em
muitos giros, os vapores, no céu, de teus suspiros. Sinto ainda tuas queixas nos ouvidos. Eis em tua face,
aqui, dos tempos idos, uma lágrima ainda não lavada, que origem teve em tua namorada. Se o mesmo
ainda és, que só de amor se fina, foi causa de tudo isso Rosalina. Mudaste tanto? Ouve a sentença amara:
cai a mulher, quando o homem não a ampara.

ROMEU - Censuravas o amor a Rosalina.

FREI LOURENÇO - Não o amor, o exagero que se fina.

ROMEU - Disseste que o enterrasse.

FREI LOURENÇO - Não em cova, para aqui fora achar paixão mais nova.

ROMEU - Não me censures, pois a minha amada na afeição não me fica a dever nada, o que com a outra
não acontecia.

FREI LOURENÇO - Oh! Explica-se: é que ela bem sabia que o amor era de cor, não soletrava. Mas vem
contar-me essa paixão tão brava, meu jovem sonhador. Vem, vem comigo, que nesse lance me terás
contigo, pois é possível que tão bela aliança faça mudar esse ódio que não cansa.

ROMEU - Oh! Vamos logo. Estou com muita pressa.

FREI LOURENÇO - Prudência! Quem mais corre mais tropeça.
(Saem.)

ROMEU E JULIETA, ATO III, Cena II

O mesmo. Jardim de Capuleto. Entra Julieta.

JULIETA - Correi, correi, corcéis de pés de fogo, para a casa de Febo. Um condutor como Faetonte vos
teria há muito tocado para o poente e, na mesma hora, trazido a noite escura. Espalha tua cortina, ó noite,
guarda dos amores, porque os olhos curiosos nada vejam e a estes braços Romeu se precipite, de manso e
sem ser visto. Os namorados enxergam no ato do amoroso rito, pela própria beleza; ou então, se é cego,
de fato, o amor, diz bem com a negra noite. Vem, noite circunspecta, com teu manto de matrona severa,
todo preto, e me ensina a perder uma partida que já está ganha e em que se jogam duas virgindades sem
mancha. Ao rosto sobe-me o sangue tímido; em teu manto envolve-o, até que o amor esquivo, já se tendo
tornado corajoso, só inocência veja no ato do amor sincero e puro. Vem, noite! Vem, Romeu! tu, noite e
dia, pois vais ficar nas asas desta noite mais branco do que neve sobre um corvo. Vem, gentil noite! vem,
noite amorosa de escuras sobrancelhas! Restitui-me o meu Romeu, e quando, mais adiante, ele vier a
morrer, em pedacinhos o corta, como estrelas bem pequenas, e ele a face do céu fará tão bela que
apaixonado o mundo vai mostrar-se da morte, sem que o sol esplendoroso continue a cultuar. Comprei a
casa de um amor, sem estar na posse dela; vendida embora me ache, possuída não fui ainda. Tão tedioso
e lento é este dia, tal como a noite em véspera de alguma grande festa para criança impaciente que tenha
roupa nova, mas não possa vesti-la. Oh! aí vem a ama.
(Entra a ama, com cordas.)
Traz novidades, sim. Todas as línguas que só sabem dizer Romeu, Romeu, falam com eloqüência
celestial. Então, ama, que é que há? Que trazes aí? As cordas de Romeu?

AMA - Sim, sim; as cordas.
(Atira-as ao chão.)

JULIETA - Ai de mim! Que acontece? Por que torces as mãos dessa maneira?

AMA -- Oh dia! Oh dia! Morreu! morreu! morreu! Oh! dia! Estamos perdidas, senhorita! Sim! perdidas!
Mataram-no! Que dia! Está sem vida!

JULIETA - Tão invejoso o céu pode mostrar-se?

AMA - Romeu o pode, embora o céu não possa. Oh Romeu! Oh Romeu! Quem poderia ter pensado em
tal coisa?

JULIETA - Por que diabo me atormentas assim? Essa tortura rugida deveria ser no inferno. Suicidou-se
Romeu? Basta dizeres "sim" que essa palavrinha mais veneno para mim conterá do que a mirada fatal do
basilisco. Morta me acho, se esse "sim" existir, se já estiverem sem vida os olhos que esse "sim" indicam.
Já morreu? Vive? Dize "sim" ou "não"; um som é tudo para o coração.

AMA - Vi a ferida, vi com estes olhos - Deus nos acuda! - em seu valente peito. Pobre cadáver! pobre e
ensangüentado; pálido como cinza, recoberto de coágulos de sangue. A esse espetáculo desmaiei.

JULIETA - Coração, então estala! Ide para a prisão, olhos ociosos, porque não mais vereis a liberdade.
Argila vil, a morte aqui não erra; que em Romeu e em ti pese a mesma terra.

AMA - Ó Tebaldo, Tebaldo! grande amigo! Ó Tebaldo polido, cavalheiro de grande honestidade! Ter eu
vida para morto te ver!

JULIETA - Que tempestade de golpes tão atravessados? Morto foi Romeu e Tebaldo está sem vida? Meu
caro primo, meu querido esposo? Então, fatal trombeta, soa o juízo final! Quem poderá ficar com vida, se
os dois mortos estão?

AMA - Assassinado foi Tebaldo, e Romeu se acha banido; tendo-o matado, logo foi banido.

JULIETA - Deus! A mão de Romeu derramou o sangue de meu primo Tebaldo?

AMA - Derramou, derramou. Oh! que dia! Derramou.

JULIETA - Oh coração serpente, mascarado com feições de uma flor! Em algum tempo dragão já houve
em cova tão formosa? Monstro atraente, angélico demônio, corvo de belas penas, cordeirinho devorador
como o insaciável lobo, substância desprezível de aparência mais que divina, justamente o oposto do que
mostravas ser! Santo maldito, muito honrado vilão! Ó natureza, que tinhas a fazer no negro inferno,
quando puseste um infernal espírito no mortal paraíso de uma carne tão bela e tão perfeita? Já houve
livro de matéria tão vil, que encadernado fosse com tanto esmero? Oh! que a mentira tenha morada num
palácio desses!

AMA - Nos homens não há fé, não há confiança, nenhuma honestidade. Todos eles são mentirosos,
falsos e perjuros. Não valem nada. Onde está meu criado? Dêem-me aqua vitae. Todas estas dores, estas
tristezas me deixaram velha. Caia o opróbrio em Romeu!

JULIETA - Que tua língua de pústulas se cubra, por haveres formulado esse voto! Para o opróbrio não
nasceu ele. Sobre sua fronte o opróbrio se envergonha de sentar-se, pois é trono em que pode ser coroada
a honra como monarca incontestável da terra universal. Oh! fui autêntico animal, por haver falado dele.

AMA - Elogiais quem matou vosso parente?

JULIETA - Poderei falar mal de meu marido? Ah! meu pobre senhor, que língua pode teu nome
acariciar, se eu, há três horas apenas, tua esposa, o mutilei? Mas por que deste a morte, miserável, a meu
primo? É que o primo miserável teria dado a morte a meu marido. Voltai, lágrimas tolas, para vossa fonte
de origem; à tristeza são devidas as gotas tributárias que por engano ofereceis ao riso. Vivo está meu

esposo, que Tebaldo desejava matar; morto, Tebaldo, que teria matado meu marido. Isso consola. Então,
por que chorar? Mas há uma palavra pior ainda que a morte de Tebaldo e que me mata. Desejara
esquecê-la; mas, oh dor! pesa-me na memória: "Assassinado foi Tebaldo e Romeu se acha banido!" Essa
palavra só, esse "banido", matou dez mil Tebaldos. Essa morte de Tebaldo já fora dor bastante, se
terminasse aí, Ou, ainda mesmo que a dor amarga amasse a companhia, e acompanhada se fizesse
sempre de outras desgraças, por que causa, quando ela disse: "Tebaldo está sem vida", não se seguiu,
também: "teu pai foi morto", ou "tua mãe", ou ambos, sim, que fora razão de sobra para as ordinárias
lamentações? Mas vindo a retaguarda da morte de Tebaldo com este título: "Romeu banido foi", não há
limite, medida, fim, nem termo para a morte dessa palavra. Tudo está sem norte. Meus pais, ama, onde
estão?

AMA - A morte fria de Tebaldo lastimam neste dia. Quereis ir vê-los? Posso conduzir-vos.

JULIETA - Eles lavam com lágrimas doridas o corpo de Tebaldo. Mais sentidas as minhas correrão neste
momento para chorar do amor o banimento. Junta estas cordas. Ai! fostes logradas, assim como eu, ó
cordas malfadadas! porque Romeu agora está no exílio. Ele contava com o vosso auxílio para chegar até
meu virgem leito; mas viúva vai achar-me, deste jeito. Vem, ama; traze as cordas, pois à morte, não a
Romeu me liga a triste sorte.

AMA - Recolhei-vos a vossos aposentos. Hei de encontrar Romeu, para trazer-vos algum consolo. Sei
onde se encontra. Ficai certa de tê-lo aqui esta noite. Vou buscá-lo já já. Está escondido na cela de
Lourenço.

JULIETA - Oh! traze-o logo! Dá-lhe este anel e dize ao meu amado que me venha trazer o último adeus.
(Saem.)

ROMEU E JULIETA, ATO V, Cena III

O mesmo. Um cemitério, com o túmulo dos Capuletos. Entram Páris e seu pajem, trazendo flores e uma
tocha.

PÁRIS - Dá-me a tocha, rapaz, e fica à parte. Não, apaga-a; não quero que me vejam. Deita-te ali
embaixo do cipreste e o ouvido encosta junto do oco solo. Assim, não pisará o cemitério nenhum pé,
sendo o solo pouco firme, frouxo e escavado pelas sepulturas, sem que o percebas. Deves assobiar-me,
em sinal de que vem chegando gente. Dá-me essas flores. Faze o que te disse.

PAJEM (à parte) - Sinto um pouco de medo, por sozinho me ver no cemitério. Mas que seja.
(Sai.)

PÁRIS - Minha querida flor, espalho flores em teu leito - Oh! de pedras é o dossel! - De água à noite
trarei irrigadores ou o pranto amargo de meu fado cruel. Os funerais de nossa desventura flores far-te-ão
nascer na sepultura.
(O pajem assobia.)
O menino me avisa que vem gente. Que pé maldito pisa estes caminhos durante a noite, para
perturbar-me nos funerais e ritos do amor puro? Como! Traz uma tocha? Noite, esconde-me durante
alguns instantes.
(Retira-se.)
(Entram Romeu e Baltasar, com uma tocha, enxadão, etc.)

ROMEU - Dá-me o ferro e o enxadão. Toma esta carta. Logo que amanhecer tens de entregá-la ao meu
senhor e pai. Agora, a tocha. Por tua vida te exorto: embora vejas e ouças seja o que for, fica a de parte,
sem vires perturbar-me. Se ora desço a este leito de morte, em parte é apenas para o rosto ainda ver de
minha esposa, mas, sobretudo, para de seu dedo de morta o anel tirar muito precioso que necessito para
um caso extremo. Por isso, parte logo. Mas se, acaso só por curiosidade retornares para espiar o que fazer
pretendo: pelo céu! quebrar-te-ei todas as juntas e encherei o faminto cemitério com partes de teu corpo.
Meus intuitos a esta hora são selvagens, mais violentos e inexoráveis ainda do que o tigre faminto e o
mar revolto.

BALTASAR - Vou-me embora, senhor, sem vos atrapalhar em nada.

ROMEU - Assim, me provarás tua amizade. Toma isto para ti; vive e prospera. E agora, bom amigo,
passa bem.

BALTASAR (à parte) - Mas apesar de tudo, vou esconder-me por aqui mesmo. Não confio nele e temo
seu olhar.
(Retira-se.)

ROMEU - Matriz da morte. detestável maxila, que estás cheia da mais cara partícula da terra: assim te
forço os maxilares podres
(Abre a sepultura.)
e te obrigo a aceitar mais alimento. PÁRIS - Este é o Montecchio altivo, que banido foi por ter morto o
primo de Julieta, por cuja dor a morrer veio aquela criatura incomparável. Ei-lo agora que vem para fazer
nesses cadáveres alguma vilania oprobriosa. Vou prendê-lo.
(Adianta-se.) Interrompe teu maldito trabalho, vil Montecchio! Como! É crível que a vingança vá além
da própria morte? Estás preso, banido desprezível. Obedece e me segue; morrer deves.

ROMEU - Devo morrer, é fato; foi para isso que vim aqui. Mancebo generoso, tentar não queiras um
desesperado. Foge daqui e deixa-me; reflete nestes mortos e que eles te amedrontem. Suplico-te,
mancebo, não me faças arcar com o peso de mais um pecado, pois aqui vim contra mim próprio armado.
Não fiques; vai-te e dize no porvir que foi um louco que te fez fugir.

PÁRIS - Importância não dou a teu pedido e prendo-te por seres criminoso.

ROMEU - Queres me provocar? Então defende-te.
(Batem-se.)

PAJEM - Batem-se, oh Deus! Vou já chamar a guarda.
(Sai.)

PÁRIS (cai) - Estou morto! Se fores compassivo, abre a tumba e me deita com Julieta.
(Morre.)

ROMEU - Em verdade o farei. Porém vejamos estas feições: o nobre conde Páris, parente de Mercúcio!
Que me disse meu criado, quando juntos caminhávamos para cá e minha alma atormentada não escutava
nada? Não me disse que Páris e Julieta iam casar-se? Não foi assim, ou terá sido sonho? Ou então, por
estar louco, pensei nisso, quando ele me falava de Julieta? Dá-me essa mão, ó tu que estás inscrito, como
eu também, no livro do infortúnio. Vou depor-te num túmulo glorioso. Túmulo? Não, mancebo
assassinado; uma lanterna, pois Julieta se acha deitada aí e sua formosura faz desta abóbada uma sala
régia, transbordante de luz. Repousa, morto, por um morto enterrado.
(Coloca no túmulo o corpo de Páris.)
Quantas vezes, no ponto de morrer, ledos se mostram os homens? É o clarão da despedida, dizem
quantos o doente estão velando. Oh! poderei chamar clarão a esta hora? Ó meu amor! querida esposa! A
morte que sugou todo o mel de teu doce hálito poder não teve em tua formosura. Não; conquistada ainda
não foste; a insígnia da beleza em teus lábios e nas faces ainda está carmesim, não tendo feito progresso
o pálido pendão da morte. Tebaldo, jazes num lençol de sangue? Oh! que maior favor fazer-te posso do
que com esta mesma mão que a tua mocidade cortou, destruir, agora, também, a do que foi teu inimigo?
Primo, perdoa-me. Ah! querida esposa, por que ainda és tão formosa? Pensar devo que a morte
insubstancial se apaixonasse de ti e que esse monstro magro e horrível para amante nas trevas te
conserve? Com medo disso, ficarei contigo, sem nunca mais deixar os aposentos da tenebrosa noite; aqui
desejo permanecer, com os vermes, teus serventes. Aqui, sim, aqui mesmo fixar quero meu eterno
repouso, e desta carne lassa do mundo sacudir o jugo das estrelas funestas. Olhos, vede mais uma vez; é a
última. Um abraço permiti-vos também, ó braços! Lábios, que sois a porta do hálito, com um beijo
legítimo selai este contrato sempiterno com a morte exorbitante. Vem, condutor amargo! Vem, meu guia
de gosto repugnante! Ó tu, piloto desesperado! lança de um só golpe contra a rocha escarpada teu
barquinho tão cansado da viagem trabalhosa. Eis para meu amor.

(Bebe.)
Ó boticário veraz e honesto! tua droga é rápida. Deste modo, com um beijo, deixo a vida.
(Morre.)
(Entra pelo outro lado do cemitério frei Lourenço com lanterna, alavanca e uma pá.)

FREI LOURENÇO - São Francisco me ajude! Quantas vezes esta noite meus pés enfraquecidos
tropeçaram em túmulos? Quem vive?

BALTASAR - É um amigo, que muito vos conhece.

FREI LOURENÇO - Deus te abençoe. Querido amigo, dize-me que tocha é aquela ali que embalde a sua
luz aos vermes empresta e aos crânios cegos? Ao que parece, está no monumento dos Capuletos.

BALTASAR - Sim, é lá, santo homem. Lá se acha meu senhor, de quem gostais.

FREI LOURENÇO - Quem é ele?

BALTASAR - Romeu.

FREI LOURENÇO - Há quanto tempo está ele lá?

BALTASAR - Há cerca de meia hora.

FREI LOURENÇO - Vem comigo até o túmulo.

BALTASAR - Não ouso fazer isso, senhor; meu amo pensa que eu fui embora e me ameaçou de morte se
eu ficasse a espreitá-lo.

FREI LOURENÇO - Então espera; irei só; já começo a sentir medo. Oh! receio algum caso desastrado.

BALTASAR - Tendo dormido sob aquele teixo, vi em sonhos, parece, que meu amo se batia com outro,
tendo-o morto.

FREI LOURENÇO
(adiantando-se)
-
Romeu! Romeu! Oh dor! Que sangue é este que mancha a entrada pétrea do sepulcro? Que quererão
dizer estas espadas sem dono, a estilar sangue e descoradas, neste lugar de paz?
(Entra no túmulo.)
Romeu! Oh, pálido! Quem mais? Quê! Também Páris? E encharcado de sangue? Oh! que hora dura teve
culpa deste acontecimento lamentável? A senhora se mexe.
(Julieta desperta.)

JULIETA - Ó meu bom frade, onde está meu senhor? Sei muito bem onde eu devia estar, onde me
encontro. Mas onde está Romeu?
(Barulho dentro.)

FREI LOURENÇO - Ouço bulha. Saí, senhora, desse ninho de morte, de contágio e sono contrário à
natureza. Uma potência por demais forte para que a vençamos frustrou nossos intentos. Vem, bem logo!
Teu marido em teu seio se acha morto; Páris também. Vem logo; vou levar-te para um convento de
piedosas freiras. Não percas tempo com perguntas; vamos; a guarda está chegando. Vem, bondosa

Julieta; não me atrevo a esperar mais.

JULIETA - Vai, que eu daqui não sairei jamais.
(Sai frei Lourenço.)
Que vejo aqui? Um copo bem fechado na mão de meu amor? Certo: veneno foi seu fim prematuro. Oh!
que sovina! Bebeste tudo, sem que me deixasses uma só gota amiga, para alivio. Vou beijar esses lábios;
é possível que algum veneno ainda se ache neles, para me dar alento e dar a morte.
(Beija-o.)
Teus lábios estão quentes.

PRIMEIRO GUARDA (dentro) - Vamos, guia-me, rapaz; qual é o caminho?

JULIETA - Ouço barulho. Preciso andar depressa. Oh! sê bem-vindo, punhal!
(Apodera-se do punhal de Romeu.)
Tua bainha é aqui. Repousa ai bem quieto e deixa-me morrer.
(Cai sobre o corpo de Romeu e morre.)
(Entram os homens da guarda, com o pajem de Páris.)

PAJEM - É ali o ponto, onde está acesa a tocha.

PRIMEIRO GUARDA - Há sangue pelo chão. Passai revista em todo o cemitério, e se encontrardes
alguém, prendei-o.
(Saem alguns guardas.)
Oh vista dolorosa! Aqui se encontra, assassinado, o conde, e Julieta a sangrar de novo e morta
recentemente, que há dois dias fora posta neste sepulcro. Ide depressa chamar os Capuletos e os
Montecchios. Na busca prossegui vós outros.
(Saem outros guardas.)
Vemos o terreno de tantas desventuras; mas o terreno verdadeiro destas desgraças lastimáveis, só
podemos ficar sabendo após maior estudo.
(Voltam alguns guardas com Baltasar.)

SEGUNDO GUARDA - É o criado de Romeu; fomos achá-lo dentro do cemitério.

PRIMEIRO GUARDA - Segurai-o com bem cautela, até que chegue o príncipe.
(Volta outro guarda, com frei Lourenço.)

TERCEIRO GUARDA - Aqui está um frade que suspira e chora, sem parar de tremer. Nas mãos trazia
uma pá e este ferro, e deste lado vinha do cemitério.

PRIMEIRO GUARDA - São indícios suspeitos; segurai também o frade.
(Entra o príncipe com seu séqüito.)

PRÍNCIPE - Que desgraça se deu aqui tão cedo, para tirar assim nossa pessoa de seu sono habitual?
(Entram Capuleto, a senhora Capuleto e outros.)

CAPULETO - Por que esses gritos por toda parte? Que houve?

SENHORA CAPULETO - Pelas praças o nome de Romeu o povo grita; outros, o de Julieta; outros, de
Páris, correndo com clamores toda a gente para o lado do nosso monumento.

PRÍNCIPE - Que horror é esse que nos fere a vista?

PRIMEIRO GUARDA - Príncipe, aqui está, morto o conde Páris; morto, Romeu; e a que antes falecera,
Julieta, quente está e outra vez morta.

PRÍNCIPE - Investigai por outra parte como se deu este horroroso morticínio.

PRIMEIRO GUARDA - Aqui está um frade e aqui, também, o criado de Romeu; instrumentos
carregavam para arrombar o túmulo dos mortos.

CAPULETO - Oh céus! Mulher, vê nossa filha: sangra! Enganou-se o punhal; sua bainha se acha vazia
ao lado de Montecchio. Está mal colocado em nossa filha.

SENHORA CAPULETO - Ai de mim! Este quadro só de mortes é como um toque fúnebre que a minha
velhice chama para a sepultura.
(Entram Montecchio e outros.)

PRÍNCIPE - Vem cá, Montecchio; cedo te levantas para mais cedo ver baixar teu filho.

MONTECCHIO - O meu senhor! durante a noite a minha senhora faleceu; cortou-lhe o fôlego a tristeza
do exílio de meu filho. Que mais conspira contra minha idade?

PRÍNCIPE - Olha e verás.

MONTECCHIO - O néscio! néscio! que costume é esse de, antes do pai, entrar na sepultura?

PRÍNCIPE - Sela a boca do ultraje por um pouco, até que este mistério esclareçamos e fiquemos sabendo
sua origem e verdadeiro curso. Depois disso, comandante serei de vossas dores e conduzir-vos-ei à
própria morte. Até lá sossegai e que a desgraça se submeta à paciência. Apresentai-nos as pessoas
suspeitas.

FREI LOURENÇO - Dos presentes sou eu o mais suspeito, muito embora seja o que menos pode fazer
algo, visto acusarem-me o lugar e a hora. Eis-me a acusar-me, a um tempo, e a defender-me, num só
momento condenado e absolto.

PRÍNCIPE - Dize então logo o que sobre isto sabes.

FREI LOURENÇO - Serei breve, porque meu curto fôlego não é mais longo do que história insípida.
Romeu, aqui sem vida, era marido desta Julieta, assim como ela, morta também aqui, era a fiel consorte
deste Romeu. Fui eu que os desposei. O dia dessas núpcias clandestinas foi o do final juízo de Tebaldo,
cuja morte baniu de nosso burgo o recente marido. Era por causa dele, não por Tebaldo, que Julieta se
vinha definhando. Vós, com o fito de expulsar-lhe do peito essa tristeza, ao conde a prometestes,
tencionando casá-la a contragosto. Procurou-me desvairada e pediu-me que inventasse qualquer recurso
que a livrasse desse segundo casamento, ou então lá mesmo, sem vacilar, poria termo à vida. Dei-lhe
então - por minha arte aconselhado - um estupefaciente que sobre ela o efeito produziu por mim visado, a
aparência emprestando-lhe da morte. A Romeu escrevi nesse entrementes, para que ele aqui viesse nesta
noite de horrores ajudar-me a retirá-la de seu falso sepulcro, pois o efeito do veneno nessa hora cessaria.
Mas a pessoa que levou a carta, Frei João, detido foi por acidente, tendo-ma devolvido ontem à noite.
Então, sozinho, na hora prefixada para ela despertar, vim retirá-la do túmulo dos seus, a idéia tendo de
escondê-la na minha pobre cela, até chamar Romeu. Aqui chegando, porém - alguns minutos antes da

hora de Julieta acordar - encontrei mortos antes de tempo o nobre conde Páris e o fiel Romeu. Julieta
despertou. Roguei-lhe que fugisse e que aceitasse com paciência o que o céu lhe -destinara. Nisso, um
barulho me afastou do túmulo, sem que, em seu desespero, ela comigo se retirasse, tendo, ao que parece,
posto termo à existência. Sei só isso. A ama se achava a par do casamento. Se algo nisto falhou por
minha culpa, que minha velha vida, algumas horas antes do tempo, o expie em sacrifício, sob o rigor da
mais severa pena.

PRÍNCIPE - Por um santo homem sempre te tivemos. E o criado de Romeu, que nos informa?

BALTASAR - Fui portador a meu senhor da nova da morte de Julieta. Ele, apressado, veio de Mântua
para cá, para este mesmo túmulo, tendo-me ordenado que esta carta a seu pai desse bem cedo. Ao
penetrar no túmulo, ameaçou-me de morte se eu não fosse logo embora e não o deixasse aqui.

PRÍNCIPE - Dá-me essa carta; quero ver o que diz. E onde está o pajem do conde Páris, que chamou a
guarda? Que fazia teu amo aqui, pequeno?

PAJEM - Veio com flores para a sepultura de sua noiva, tendo-me ordenado que ficasse de parte.
Obedeci-lhe. Depois, com luz, chegou um homem, para violar a sepultura, tendo logo sacado meu senhor
contra ele a espada. Saí correndo e fui chamar a guarda.

PRÍNCIPE - Confirma a carta o que nos disse o monge: como o amor decorreu, a falsa nova da morte
dela. Aqui ele nos conta que veneno comprou de um boticário e que vinha morrer neste sepulcro, para
ficar ao lado de Julieta. Onde se encontram esses inimigos? Capuleto! Montecchio! Vede como sobre
vosso ódio a maldição caiu e como o céu vos mata as alegrias valendo-se do amor. Por minha parte, por
ter condescendido com vós todos, dois parentes perdi. Fomos punidos.

CAPULETO - Dá-me tua irmão, irmão Montecchio; é o dote de minha filha. Mais, pedir não posso.

MONTECCHIO - Mas eu posso dar mais, pois hei de a estátua dela mandar fazer do mais puro ouro.
Enquanto for Verona conhecida, nenhuma imagem terá tanto preço como a da fiel e mui veraz Julieta.

CAPULETO - Romeu fama também dará à cidade; vítimas são de nossa inimizade.

PRÍNCIPE - Esta manhã nos trouxe paz sombria: esconde o sol, de pesadume, o rosto. Ide; falai dos fatos
deste dia; serei clemente, ou rijo, a contragosto, que há de viver de todos na memória de Romeu e Julieta
a triste história.
(Saem.)

REI LEAR, ATO II, Cena I

Pátio diante do castelo do duque de Gloster. Entram Edmundo e Curan, que se encontram.

EDMUNDO - Deus te guarde, Curan.

CURAN - E a vós também, senhor. Estive com vosso pai e lhe dei a notícia de que o duque de Cornualha
e Regane sua duquesa chegarão aqui esta noite.

EDMUNDO - E por que isso?

CURAN - Ignoro-o. Não ouvistes as notícias que correm por aí? Refiro-me apenas às que são
cochichadas e que não são mais do que assuntos soprados aos ouvidos.

EDMUNDO - Eu? Não. Por obséquio, quais são elas?

CURAN - Não ouvistes dizer que é muito provável uma guerra entre os duques de Cornualha e de
Albânia?

EDMUNDO - Nem uma palavra.

CURAN - Então ainda haveis de ouvir algo a esse respeite. Passai bem, senhor.
(Sai.)

EDMUNDO - O duque aqui esta noite? Melhor... Ótimo! Isso cai mesmo certo no meu plano. Meu pai
pôs gente em busca de meu mano e um negócio nauseoso ainda me resta para ser posto em prática. Mãos
à obra. Celeridade e sorte! Mano, mano! Uma palavra! Vinde! Estou chamando!
(Entra Edgar.)
Meu pai está de espreita. Oh! Fugi logo; deixai o esconderijo, que este ponto já se tornou sabido. E
conveniente aproveitar a noite. Por acaso não vos manifestastes em prejuízo do duque de Cornualha? Ele
vem vindo para aqui, apressado, em plena noite, e Regane com ele. Não dissestes a favor dele nada,
contra o duque de Albânia? Pensai bem.

EDGAR - Não disse nada, tenho certeza.

EDMUNDO - Ouço meu pai que chega. Perdoai-me, mas por fingimento, apenas, tirai também a espada
e defendei-vos, só por simulação. Parti, agora. - Rendei-vos! Vamos ante nosso pai! Luz, aqui! - Fugi,
mano! - Tochas! Tochas! - Assim. Adeus, adeus.
(Sai Edgar.)
Agora um pouco de sangue há de fazer nascer a idéia de um combate mais sério.
(Fere-se no braço.)
Já vi bêbedos fazer por brincadeira mais do que isso.
Pai! Pai! Prendei! Prendei! Ninguém me ajuda?
(Entram Gloster e criados, com tochas.)

GLOSTER - Edmundo, onde está o biltre?

EDMUNDO - Aqui se achava, no escuro, espada em punho, depravados conjuros resmungando e, como
a dama auspiciosa, a invocar a própria lua.

GLOSTER - Mas onde está?

EDMUNDO - Senhor, estou sangrando.

GLOSTER - Mas onde está esse vilão, Edmundo?

EDMUNDO - Fugiu por lá, senhor, quando viu que era de todo inútil...

GLOSTER - Lá? Ide atrás dele!
(Saem alguns criados.)

"De todo inútil..." Quê?

EDMUNDO - Sim, persuadir-me a vos tirar a vida. Respondi-lhe que os deuses vingadores desferiam
seus duros raios contra os parricidas; lembrei-lhe os laços múltiplos e fortes que aos pais os filhos
prendem. Em resumo, senhor: vendo o desgosto que eu opunha a suas intenções desnaturadas,
enraivecido, espada em punho, ataca-me o corpo exposto e o braço aqui me fere. Mas ao ver que os
espíritos eu tinha bem despertos e que pela justeza da causa a combatê-lo se atreviam, ou por eu ter muito
barulho feito, de repente, fugiu.

GLOSTER - Pode esconder-se onde quiser, que neste território encontrado há de ser. E, uma vez preso...
liquidado. Meu mestre, o nobre duque, meu mui digno patrono e amado príncipe chega esta noite. Assim,
proclamarei, com sua autoridade, que há de nossa graça alcançar quem quer que encontre o biltre e o
covarde assassino entregue ao cepo. E se alguém o esconder, morra igualmente!

EDMUNDO - E quando procurava dissuadi-lo de semelhante intento, achando-o cada vez mais
determinado em realizá-lo, e ameacei denunciá-lo, respondeu-me: "Bastardo sem haveres, então pensas
que, se acareados fôssemos, alguma confiança em teu valor, virtude ou mérito reforçar poderia o que
dissesses? Não; pois o que eu negasse - e hei de fazê-lo, embora apresentasses cartas minhas - atribuiria
tudo a teus conselhos, traça e manobras pérfidas. Preciso fora deixares tolo o mundo inteiro, para que
ninguém visse quanto o lucro de minha morte te seria estímulo para que a procurasses".

GLOSTER - Celerado teimoso e endurecido! Negaria sua própria carta? Não, não é meu filho.
(Fanfarras.)
Atenção! As trombetas são do duque. Não sei por que motivo nos visita. Os portos fecharei, para que o
biltre não nos possa escapar. O duque me há de permitir isso. Espalharei por toda parte o retrato dele;
assim, o reino conhecerá seus traços. Minhas terras, rapaz fiel e natural, recursos hei de arranjar para que
a herdá-las venhas.
(Entram Cornualha, Regane e séqüito.)

CORNUALHA - Então, meu nobre amigo? Desde o instante que aqui cheguei - e foi neste momento -
soube coisas mui raras.

REGANE - Confirmadas, toda vingança ainda não bastara para ir sobre o ofensor. Então, milorde?

GLOSTER - Ó senhora, senhora! Espedaçado ficou-me o coração. Espedaçado!

REGANE - Como! O afilhado de meu pai tentou contra vossa existência? Aquele mesmo em que meu
pai pôs nome? Vosso Edgar?

GLOSTER - O senhora! A vergonha ora me manda ficar calado.

REGANE - Acaso ele não era companheiro dos homens turbulentos que servem a meu pai?

GLOSTER - Não sei, senhora Oh! É terrível tudo!

EDMUNDO - Sim, senhora; pertencia a esse bando.

REGANE - Se assim é, não admira que mostrasse sentimentos tão baixos. Partiu deles a idéia de matar o
velho, para desbaratarem logo seus haveres. De minha irmã recebi hoje cedo boas informações sobre essa
gente, com tantas advertências, que, se acaso quiserem ir parar em minha casa, não me encontrarei lá.

CORNUALHA - Nem eu, Regane. Edmundo, soube agora que prestastes a vosso pai serviços de bom
filho.

EDMUNDO - Só fiz o meu dever.

GLOSTER - Fez frustrar a manobra do outro, tendo recebido a ferida que aqui vedes, quando tentou
prendê-lo.

CORNUALHA - Seguiu gente no encalço dele?

GLOSTER - Sim, meu bom senhor.

CORNUALHA - Sendo apanhado, havemos de deixá-lo em condições de nunca mais receio vir a causar
a alguém. Tomai vós mesmo todas as providências e disponde do meu poder como vos for do agrado. E
vós, Edmundo, tão recompensado neste momento, assim pela obediência como pela virtude, sereis nosso.
Pessoas de lealdade tão provada são muito necessárias. Começamos, assim, por nos apoderar de vós.

EDMUNDO - Embora mais não faça, hei de lealmente servir a meu senhor.

GLOSTER - Muito agradeço por ele a Vossa Graça.

CORNUALHA - Com certeza não sabeis a razão desta visita...

REGANE - . . .assim fora de tempo, abrindo nosso caminho pela noite de olhos negros. Motivos, nobre
Gloster, de algum peso tornam vossos conselhos necessários. Nosso pai nos escreve, e nossa mana, sobre
certos dissídios, parecendo-me mais acertado responder a todos longe de nossa casa. Os mensageiros
estão aqui à espera da resposta. Velho e bondoso amigo, deixai calmo, de todo, o coração, e em nosso
auxílio vinde com bons conselhos sobre assunto que exige muita urgência.

GLOSTER - Ao vosso inteiro dispor, senhor, me encontro. Vossas Graças são bem-vindas aqui.
(Saem.)

REI LEAR, ATO III, Cena II

Outra parte da charneca. A tempestade continua. Entram Lear e o bobo.

LEAR - Ventos, soprai de arrebentar as próprias bochechas! Enraivai! Soprai com força! Trombas e
cataratas, derramai-vos até terdes coberto os campanários e afogado seus galos! Sulfurosos raios, velozes
como o pensamento, vanguarda dos coriscos que os carvalhos abrem de meio a meio, chamuscai-me a
cabeleira branca! E tu, trovão de tudo abalador, achata a espessa redondeza do mundo, quebra os moldes
da natureza e de uma vez desfaze todos os germes geradores do homem sem gratidão.

BOBO - Ó tio, mais vale água benta no pátio de uma casa seca, do que toda esta água de chuva ao ar
livre. Vai para dentro, bom tio, e pede a bênção de tuas filhas. Uma noite como esta não se apiada nem
de sábios nem de bobos.

LEAR - Deixa o vento roncar! Escarra, fogo! Jorra, chuva! Os trovões, o vento, o fogo, minhas filhas não
são. Não vos acuso de ingratos, elementos. Nunca um reino vos dei, nem vos chamei sequer de filhos.
Não me deveis nenhuma obediência. Que caia, pois, vosso prazer horrível. Aqui me encontro, vosso
escravo, um velho pobre, fraco, sem forças, desprezado. No entretanto, declaro-vos ministros servis, pois

com duas filhas perniciosas, travais vossas batalhas de alta origem contra uma fronte tão encanecida e tão
velha como esta. Oh! Que vergonha! BOBO - Quem tem uma casa onde enfiar a cabeça, dispõe de um
bom chapéu. Quando a braguilha quer casa, sem que o dono tenha abrigo dos piolhos é a grande vasa,
que isso é vida de mendigo. Quem põe o dedão do pé onde tem o coração, vive a gemer - a-la-fé! - por
calos que insônia dão, pois nunca ouve mulher bonita que não fizesse caretas ao espelho.
(Entra Kent.)

LEAR - Quero ser um modelo de paciência; não direi nada.

KENT - Quem está aí?

BOBO - Ora, uma majestade e uma braguilha, isto é, um sábio e um bobo.

KENT - Oh senhor! Vós aqui? Nenhuma coisa que da noite se agrada, se acomoda a uma noite como
esta. Os céus furiosos metem medo até mesmo nos rondantes da escuridão, retendo-os em seus antros.
Desde que me fiz homem não me lembro de ter presenciado tantas faixas de fogo, tanto estouro de
terríficos trovões, tantos lamentos e bramidos dos ventos e da chuva. A natureza do homem não pode
suportar o medo e a aflição que vêm disso.

LEAR - Grandes deuses, que tanto estrondo sobre nós retendes, agora procurai vossos imigos! Treme,
malvado, em quem se ocultam crimes pela justiça ainda não punidos! Mão sanguinária, oculta-te!
Perjuro, tu também; como tu, falso virtuoso, que praticas o incesto! Em estilhaços arrebenta, bargante,
que atentaste contra a vida de alguém sob aparência tranqüila e sedutora! Atrocidades no fundo ocultas,
estourai as capas que vos escondem e implorai as graças desses admoestadores pavorosos! Quanto a
mim, sou mais vítima de culpa, do que mesmo culpado.

KENT - Oh! que tristeza! Cabeça descoberta! Meu gracioso soberano, aqui perto há uma cabana, que
oferecer-vos pode algum abrigo contra o mau tempo. Recolhei-vos a ela, enquanto eu volto àquela casa
dura - mais dura do que as pedras de que é feita, e que, há momentos, quando eu pretendia saber notícias
vossas, me negou té mesmo a entrada - para que lhes force a avara cortesia.

LEAR - Sinto o espírito girar em torno. Vamos, meu pequeno! Como te sentes, caro? Muito frio? Eu
também. Companheiro, onde é que há palha? É por demais estranha a arte dos pobres que faz preciosas
as mais baixas coisas. Vossa cabana... Seja! Pobre bobo, tenho no coração um lugarzinho que se apiada
de ti. BOBO - Se não perdeste de todo a mente, com hei com hô, com tamanha chuva, com a própria
sorte fica contente, embora chova todos os dias.

LEAR - É certo, meu pequeno; vamos, leva-nos para essa tal cabana.
(Saem Lear e Kent.)

BOBO - Eis uma bela noite para deixar fria uma cortesã. Mas antes de sair quero fazer uma profecia:
Quando por obras converter a Igreja e água puser o dono na cerveja; quando o nobre for mestre do
alfaiate, e a fogueira não mais o herege mate, mas apenas o amante apaixonado; quando só houver
processo bem julgado, dívidas não tiver o cavaleiro e a calúnia poupar o mundo inteiro; quando evitar o
experto a turbamulta e a arca do avaro não ficar oculta; quando as alcoviteiras eloqüentes construírem
templos caros e imponentes: cairá em confusão este reino de Albião. Então verá quem vivo ainda estiver
que com os pés andam o homem e a mulher. Esta profecia será feita por Merlino, porque eu vivo antes do
tempo dele.
(Sai.)