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AS ALEGRES COMADRES DE WINDSOR, ATO III, Cena II

Uma rua de Windsor. Entram a senhora Page e Robim.

SENHORA PAGE - Segui na frente, pequeno galante. Estais acostumado a andar sempre atrás das
pessoas; mas agora tereis de servir-me de guia. Que preferis: guiar-me os olhos, ou olhar os
calcanhares de vosso amo?

ROBIM - Em verdade, prefiro ir na vossa frente, como homem, a acompanhá-lo, como anão.

SENHORA PAGE - Oh! Sois um pequeno adulador. Estou vendo que dareis um bom cortesão.
(Entra Ford.)

FORD - Feliz encontro, senhora Page. Para onde ides?

SENHORA PAGE - Vou justamente, senhor, visitar vossa esposa. Está em casa?

FORD - Está, e tão sem fazer nada, que se sente entediada por falta de companhia. Creio que se vossos
maridos viessem a morrer, vos casaríeis de novo.

SENHORA PAGE - Nem há dúvida! Com dois novos maridos.

FORD - Onde arranjastes esse bonito catavento?

SENHORA PAGE - Não vos saberei dizer que diabo de nome tem a pessoa de quem meu marido o
obteve. Como se chama o cavaleiro vosso amo, garoto?

ROBIM - Sir John Falstaff.

FORD - Sir John Falstaff?

SENHORA PAGE - Isso mesmo. Nunca acerto com o nome dele. Entre ele e meu bom marido há tanta
amizade! Mas vossa esposa está realmente em casa?

FORD - Está.

SENHORA PAGE - Com vossa licença, senhor. Ficarei doente, se não a vir.
(Saem a senhora Page e Robim.)

FORD - Page terá cabeça? Não terá olhos? Não raciocina? Não há dúvida, está em profundo letargo;
não faz uso dos sentidos. Esse pajem levaria uma carta a vinte milhas de distância com a mesma
facilidade com que um canhão acertaria no alvo a duzentos e quarenta passos. Ele próprio favorece a
inclinação da mulher, incrementa sua loucura e facilita-lhe a oportunidade. E agora lá vai ela visitar
minha mulher, acompanhada do pajem de Falstaff! Não há quem não ouça cantar o vento nesta
tempestade. Acompanhada do pajem de Falstaff Que bela conjura! Estão combinadas! Nossas esposas
rebeladas vão ser condenadas juntas às penas eternas. Muito bem. Vou surpreendê-los; depois
submeterei minha mulher à tortura, arrancarei o falso véu de modéstia da santarrona senhora Page e
proclamarei o próprio Page como um Acteão tranqüilo e complacente, estando eu certo de que com
esses processos violentos arrancarei aplausos de todos os vizinhos.
(Um relógio bate horas.)
O relógio me dá o sinal, exigindo minha convicção que inicie as investigações. Vou encontrar lá
Falstaff. Minha conduta me ensejará mais elogios do que chufas, porque é tão certo como ser firme a
terra estar Falstaff lá em casa. Vamos logo.
(Entram Page, Shallow, Slender, o estalajadeiro, o reverendo Hugo Evans, Caius e Rugby.)

PAGE, SHALLOW, etc. - Feliz encontro, mestre Ford.

FORD - Realmente, bonito bando. Há festa hoje lá em casa. Estão todos convidados.

SHALLOW - Peço que me desculpeis, mestre Ford, mas não posso aceitar o convite.

SLENDER - Nem eu, senhor; prometemos jantar com a senhorita Ana, e eu não faltaria com a palavra
por todo o dinheiro que pudesse contar.-

SHALLOW - Estamos tramando o casamento de Ana Page com o meu sobrinho Slender, sendo hoje
esperada a resposta.

SLENDER - Conto com vosso consentimento, paizinho Page.

PAGE - Pois não, mestre Slender; estarei convosco em tudo. Mas minha mulher, mestre doutor, está
inteiramente do vosso lado.

CAIUS - Oui; Pardieu! E a mademoiselle me ama; minha governante Quickly me asseverou isso mesmo.

ESTALAJADEIRO - E que dizeis do jovem mestre Fenton? Ele salta, dança, tem olhos de moço, escreve
versos, fala como em dia de festa, cheira a abril e maio. É ele que vai ganhar! Seus botões o provam. É
ele que vai ganhar!

PAGE - Mas não com o meu consentimento, posso asseverar-vos. Esse moço não tem recursos; anda na
companhia do príncipe estúrdio e de Poins; é de uma região muito elevada; sabe demais. Não, não há de
dar um nó na fortuna com o dedo de minha substância. Se vier a casar-se com minha filha, há de ser sem
dote. Meus haveres dependem de meu consentimento, não embocando este para o lado desse pretendente.

FORD - Peço encarecidamente que alguns dos presentes me acompanhem até casa, para jantarmos. Além
de boa mesa, prometo-vos ótima diversão: pretendo mostrar-vos um monstro. Mestre doutor, tereis de ir;
e vós também, mestre Page, e vós, reverendo Hugo.

SHALLOW - Nesse caso, passai bem; assim, faremos com mais liberdade o pedido em casa de mestre
Page.
(Saem Shallow e Slender.)

CAIUS - Vai para casa, Rugby; não me demoro.
(Sai Rugby.)

ESTALAJADEIRO - Adeus, corações. Vou procurar meu honesto cavaleiro Falstaff, para bebermos uma
garrafa de Canárias.
(Sai o estalajadeiro.)

FORD (à parte) - Antes disso eu beberei com ele uma pipa de vinho. Vou fazê-lo dançar. - Não quereis
vir, senhores?

TODOS - Vamos ver o tal monstro.
(Saem.)