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A MEGERA DOMADA, ATO IV, Cena V

(Uma estrada pública. Entram Petrucchio, Catarina, Hortênsio e criados.)

PETRUCCHIO - Depressa, pelo céu! Vamos à casa de vosso pai, de novo. Oh Deus bondoso! como
brilha no céu a lua amiga!

CATARINA - Lua? Isto é sol; não há luar ainda.

PETRUCCHIO - Digo que é a lua que tão claro brilha.

CATARINA - É o sol, bem vejo, que tão claro brilha.

PETRUCCHIO - Pois pelo filho de meu pai, eu mesmo, tem de ser lua ou estrela, ou o que eu quiser,
antes de à casa de teu pai nós irmos. Recolhei os cavalos! Contrariado de novo! Contrariado sempre e
sempre!

HORTÊNSIO - Oh! concordai com ele; do contrário, não partiremos nunca.

CATARINA - Por obséquio, já que chegamos até aqui, sigamos até o fim, seja lua, ou sol, ou quanto bem
entenderdes. Caso resolvais dar-lhe o nome de vela, doravante para mim será isso.

PETRUCCHIO - É lua, disse.

CATARINA - Vejo que é lua, mesmo.

PETRUCCHIO - Estás mentindo pois é o sol abençoado.

CATARINA - Deus bendito! pois é o sol abençoado! Mas já deixa de ser o sol, quando negardes isso.
Muda-se a lua como vosso espírito; será o que quiserdes, e isso mesmo ficará sendo para Catarina.

HORTÊNSIO - Petrucchio, segue o teu caminho; ganha foi a batalha.

PETRUCCHIO - Bem; avante! avante! Assim a bola correrá depressa, sem desviar-se da meta. Mas
cautela! Quem é que vem chegando?
(Entra Vicêncio, em trajes de viagem.)
(A Vicêncio,) Gentil dama bom dia. Qual é o vosso itinerário? Doce Quetinha, com franqueza fala-me: já

viste uma senhora assim tão fresca? Como em suas faces o vermelho e o branco dura guerra mantêm!
Jamais os astros o céu tão belamente tachonaram como estes olhos o seu rosto angélico. Adorável
menina, novamente muito bom dia para ti. Abraça-o, doce Quetinha, por ser tão formosa.

HORTÊNSIO - Vai deixar o homem louco, pretendendo transformá-lo em mulher.

CATARINA - Botão formoso, fragrante e virginal, para que ponto te diriges agora? Onde resides?
Felizes pais de tão galante filha! Mas mais feliz o moço a quem os astros propícios te destinam para sua
companheira tão meiga!

PETRUCCHIO - Ora, Quetinha! Não estás louca, penso. É um homem velho, cheio de rugas, murcho,
enfraquecido, como estás vendo.

CATARINA - Velho pai, perdoa o engano de meus olhos. Ofuscados tanto o sol os deixou, que quanto
eu veja só verde me parece. Agora noto que és um pai venerando. Novamente peço que me perdoes esse
engano.

PETRUCCHIO - Perdoa-lhe, bom velho; e, ao mesmo tempo, conta-nos teu caminho. Sendo o mesmo
que o nosso, muito alegres ficaremos com tua companhia.

VICÉNCIO - Belo moço, e vós, alegre dama, que bastante me espantastes com vosso cumprimento tão
esquisito: chamo-me Vicêncio; moro em Pisa, e em caminho estou de Pádua, fazer visita a um filho que
há muito não revejo.

PETRUCCIO - O nome dele?

VICÊNCIO - Lucêncio, meu senhor.

PETRUCCIO - Feliz encontro para nós e teu filho. E agora posso dizer que assim por lei como por tua
veneranda aparência, autorizado me acho para chamar-te pai querido. A irmã de minha esposa, esta
senhora, já desposou teu filho. Não te espantes nem te aborreças, que é de bom conceito, de rico dote e
de família digna. Além do mais, tem tantas qualidades, que digna a deixam de tornar-se esposa do mais
nobre mancebo. Assim, permite que no velho Vicêncio eu dê um abraço, e vamos juntos ver teu belo
filho que tua vinda vai deixar alegre.

VICÊNCIO - Mas tudo isso é verdade, ou simplesmente vos divertis, por terdes gênio alegre, com as
pessoas que encontrais na estrada?

HORTÊNSIO - Não, pai; é certo; posso assegurar-vos.

PETRUCCHIO - Vem, vem conosco, para convencer-te da verdade de tudo o que dissemos. Deixou-te
desconfiado a brincadeira.
(Saem todos, com exceção de Hortênsio.)

HORTÊNSIO - Petrucchio, muito bem; coragem deste-me. Procuremos a viúva; por mais que ela se
mostre rezingueira, quanto baste para domá-la a Hortênsio já ensinaste.
(Sai.)