Coríolos. Uma praça pública. Entra Tulo Aufídio com criados.
AUFÍDIO - Anunciai aos senhores da cidade que eu já cheguei e dai-lhes este escrito. Depois de o terem
lido convocai-os para o mercado, onde, no ouvido deles e nos do povo provarei tudo isso. Quem eu acuso
já transpôs as portas da cidade e pretende apresentar-se ante o povo, esperando com palavra justificar-se.
Muita pressa em tudo.
(Saem os criados.)
(Entram três ou quatro conspiradores do partido de Aufídio.)
Sede bem-vindos.
PRIMEIRO CONSPIRADOR - Como vai passando o nosso general?
AUFÍDIO - Como pessoa envenenada pela própria esmola e que a bondade mata.
SEGUNDO CONSPIRADOR - Muito nobre senhor, se persistirdes no projeto para o qual desejastes
nosso auxílio, nós nos incumbiremos de livrar-vos dessa grande coação.
AUFÍDIO - Nada vos posso dizer, senhor; teremos de portar-nos conforme virmos que se mostra o povo.
TERCEIRO CONSPIRADOR - O povo ficará sempre indeciso, enquanto entre vós dois houver
discórdia. A queda de um fará de tudo herdeiro o que sobreviver.
AUFÍDIO - É muito certo. Os motivos que tenho de atacá-lo são mais do que plausíveis. Elevei-o e por
sua lealdade empenhei a honra. Mas ele, uma vez no alto, as novas plantas irrigou com o orvalho da
lisonja, seduziu meus amigos, violentando para esse fim sua própria natureza, conhecida até então como
indomável, independente e brusca.
TERCEIRO CONSPIRADOR - Sua empáfia, senhor, quando ele obteve o consulado, que a perder veio
por não ter sabido tergiversar em tempo...
AUFÍDIO - Ia falar-vos a esse respeito. Tendo sido expulso por isso mesmo, veio a minha casa e o
pescoço estendeu à minha faca. Acolhi-o; fiz dele meu consócio, dei-lhe azo a que os desejos expandisse.
Fiz mais: deixei que ele escolhesse dentre meus próprios contingentes os melhores e mais dispostos
homens, porque a cabo levasse seus projetos. Em pessoa servi aos seus desígnios, ajudando-o a madurar
a fama que na ceifa para ele, só, ficou, tendo ele orgulho revelado em fazer-me essa injustiça. Em remate,
chegamos a tal ponto, que mais seu subalterno eu parecia do que mesmo parceiro, tendo-me ele
recompensado com seus ademanes como se mercenário dele eu fosse.
PRIMEIRO CONSPIRADOR - Justamente, senhor; e muito espanto causou isso no exército. Por último,
quando Roma já tínhamos vencido e fé todos fazíamos no espólio, como na glória...
AUFÍDIO - É aí que bate o ponto, contra ele tenso meus tendões deixando. Por algumas gotinhas de
catarro de umas senhoras, que são tão baratas quanto mentiras, o trabalho e o sangue vendeu ele de nosso
esforço ingente. Por isso morrer deve; sua queda me fará levantar. Mas, escutemos!
(Barulho de trombetas e de tambores, de mistura com aclamações do povo.)
PRIMEIRO CONSPIRADOR - Como se fôsseis um correio entrastes na cidade natal, sem que
boas-vindas tivésseis de ninguém; mas ele volta rasgando o ar com o barulho.
SEGUNDO CONSPIRADOR - Esses pacíficos todos a quem ele privou dos filhos, rasgam as goelas vis
no louvor deles.
TERCEIRO CONSPIRADOR - Para vossa vantagem, desse modo, antes que ele se expanda e possa o
povo comover com discursos, vossa espada dai-lhe a provar, que vos secundaremos. Jogando ele por
terra, sua história contada a vosso jeito, juntamente com o corpo enterrará seus argumentos.
AUFÍDIO - Nem mais uma palavra; eis os senhores.
(Entram os nobres da cidade.)
NOBRES - Sois entre nós bem-vindo.
AUFÍDIO - Não mereço semelhante acolhida. Mas senhores, lestes atentamente meu escrito?
NOBRES - Lemos, sim.
PRIMEIRO NOBRE - E ficamos contristados. Suas primeiras faltas, é o que penso, podiam ser sanadas
facilmente. Mas terminar onde primeiro estava, abrir mão das vantagens do armamento, à nossa própria
custa indenizar-nos, onde houve rendição firmar tratados, desculpas não admite.
AUFÍDIO - Ei-lo que chega; vós próprios o ouvireis.
(Entra Coriolano com tambores e bandeiras; grande número de cidadãos o segue.)
CORIOLANO - Salve, senhores! Como vosso soldado aqui retorno, sem que do amor da pátria ora me
encontre mais infectado do que no momento em que parti daqui, mas o supremo comando vosso
obediente sempre. Passo a dizer-vos que com muita sorte fiz esse ataque, tendo por caminhos
sanguinosos levado vossas guerras até às portas de Roma. O que trouxemos como espólio ultrapassa pelo
menos de um terço das despesas da campanha. Concluímos uma paz tão digna para vós antíates como
vergonhosa para os romanos. Eis que vos transmito, pelos patrícios assinado e os cônsules, juntamente
com o selo do senado, o acordo que firmamos com os romanos.
AUFÍDIO - Nobres senhores, não leiais o escrito, mas dizei ao traidor que em grau muito alto ele abusou
de vossa autoridade.
CORIOLANO - Traidor! Como?
AUFÍDIO - Traidor, Márcio. Isso mesmo.
CORIOLANO - Márcio?
AUFÍDIO - Sim, Márcio: Caio Márcio. Pensas, acaso, que enfeitar-te vou com o nome roubado,
Coriolano, e isso em Coríolos? Senhores e cabeças da república, ele traiu os vossos interesses
perfidamente, e por algumas gotas salgadas entregou vossa cidade, Roma - sim, digo: vossa! - à mãe e à
esposa, rompendo os juramentos e os propósitos como um laço de fita apodrecida. Nunca ouviu um
conselho de campanha, mas da mãe ante as lágrimas pôs fora, choramingando e urrando, vossos louros, o
que os pajens deixou enrubescidos e os homens de valor fez entreolharem-se, tomados de estupor.
CORIOLANO - Ouviste, Marte?
AUFÍDIO - Não invoques o deus, chorão menino.
CORIOLANO - Ah!
AUFÍDIO - Não prossigas.
CORIOLANO - Mentiroso imenso, grande demais o coração deixaste-me, para caber no peito. Quê!
"Menino?" Miserável... Perdoai-me, meus senhores; é a vez primeira que a insultar me forçam. Vosso
juízo, ponderados nobres, vai dar o desmentido a este cachorro; e sua própria consciência - que as estrias
de meus golpes ainda tem presentes, marcas que há de levar ao próprio túmulo - há de vos secundar no
desmentido.
PRIMEIRO NOBRE - Ficai quietos e deixai que eu fale.
CORIOLANO - Cortai-me em pedacinhos, volscos! Homens e moços, vinde em mim manchar os
gládios. "Menino!" Cão hipócrita! Se houvésseis vossos anais escrito com verdade, lá poderíeis ler que
tal como águia num pombal pus em fuga os vossos volscos, em Coríolos. Eu, eu só! "Menino!"
AUFÍDIO - Como! nobres senhores, quereis mesmo que as façanhas da sorte dele cega - vosso opróbrio -
vos sejam relembradas por este fanfarrão desnaturado, ante vossos ouvidos, vossos olhos?
CONSPIRADORES - Que ele morra por isso.
TODOS OS CIDADÃOS - Espedaçai-o, já já! - Matou meu filho! - Minha filha!- Matou meu pai! -
Matou meu primo Marco!
SEGUNDO NOBRE - Silêncio aí! Nada de insultos. Calma! É um homem nobre e sua fama ocupa o
orbe todo da terra. A última ofensa que nos fez há de ser regularmente em juízo discutida. Pára, Aufídio;
não perturbes a paz.
CORIOLANO - Ah! se o tivesse com seis outros Aufídios e sua tribo ao alcance de minha leal espada!
AUFÍDIO - Celerado insolente!
CONSPIRADORES - Morte! Morte para ele! Morte! Morte!
(Aufídio e os conspiradores sacam da espada e matam Coriolano, que cai. Aufídio põe o pé sobre o
cadáver.)
NOBRES - Não! Parai! Parai! Parai! Parai!
AUFÍDIO - Meus nobres mestres, deixai que vos explique o que houve.
PRIMEIRO NOBRE - Oh Tulo!
SEGUNDO NOBRE - Chora a coragem ante o que fizeste.
TERCEIRO NOBRE - Não o piseis. Senhores, acalmai-vos! Guardai vossas espadas.
AUFÍDIO - Meus senhores, quando a saber chegardes - o que neste grande furor, por ele suscitado,
possível não será - todo o perigo com que nos ameaçava a vida dele, ficareis satisfeitos por ter sido morto
ele deste modo. Vossas Honras podem chamar-me à frente do Senado, que hei de provar que sou vosso
fiel servo, ou submeter-me a vosso grave juízo.
PRIMEIRO NOBRE - Levai daqui o corpo. E pranteai-o. Será tido na conta do mais nobre cadáver que
já foi acompanhado pelo arauto até à urna funerária.
SEGUNDO NOBRE - Seu arrebatamento justifica por uma boa parte o erro de Aufídio. Tiremos disso
todas as vantagens.
AUFÍDIO - Minha fúria passou. Sinto-me agora tomado de tristeza. Levantai-o. Ajudai três guerreiros,
dos melhores; serei o quarto. Bate em teu tambor, de forma que ele fale tristemente. Abaixai vossas
lanças. Muito embora tenhamos ainda na cidade muitas mulheres que sem filhos, sem maridos ele deixou
e que ainda se ressentem de seus golpes até este momento, há de alcançar mui nobre monumento.
Carreguemos.
(Saem levando o corpo de Coriolano, ao som de uma marcha fúnebre.)