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ANTONIO E CLEOPATRA, ATO III, Cena VI

Roma. Um quarto em casa de César. Entram César, Agripa e MECENAS.

CÉSAR - Em menoscabo a Roma fez tudo isso, mas em Alexandria fez pior. Passou-se assim: em meio à praça pública em tronos de ouro, sobre uma tribuna de prata ele e Cleópatra se achavam. Aos pés deles Cenário se encontrava, que é filho de meu pai, segundo dizem, e todos os produtos ilegítimos a que a lascívia deles dois deu vida. Então Antônio conferiu a Cleópatra o governo do Egito e proclamou-a soberana absoluta não somente de Chipre e Lídia, mas da baixa Síria.

MECENAS - E isso à vista de todos?

CÉSAR - No recinto público das ginásticas. O filho dele foi proclamado rei dos reis. A Alexandre ele deu a grande Média, a Pátria e a Armênia; enfim, a Ptolomeu a Fenícia doou, Síria e Cilícia. Nesse dia Cleópatra vestiu-se como a deusa Isis, sendo voz corrente que desse jeito, muitas vezes, antes ela audiência já deu.

MECENAS - É necessário que Roma saiba disso.

AGRIPA - Já bastante desgostosa com seu descaramento, de toda estima há de privá-lo logo.

CÉSAR - O povo sabe disso; as queixas dele já foram feitas.

AGRIPA - A quem ele acusa?

CÉSAR - A César, alegando que, após termos na Sicília tomado todo o espólio de Pompeu, a lhe dar nos recusamos a sua parte da ilha. Alega, ainda, que eu não lhe devolvi alguns navios que me havia emprestado. Finalmente, acha-se estomagado por ter Lépido perdido o triunvirato e nós nos termos apossado de todos os bens dele.

AGRIPA - É preciso, senhor, responder a isso.

CÉSAR - Já foi feito. Partiu o mensageiro. Fiz-lhe ver como Lépido se tinha mostrado muito cruel e que abusara de sua autoridade, merecendo, por isso, tal castigo. Nas conquistas feitas por mim ele teria parte; porém que a mesma coisa eu exigia de sua Armênia e de outros reinos que ele havia conquistado.

MECENAS - Nunca ele há de conceder esse ponto.

CÉSAR - Nesse caso naquele outro também não cederemos. (Entra Otávia, com seu séquito.)

OTÁVIA - Salve, senhor! Meu caro César, salve!

CÉSAR - Chegar a ver-te um dia repudiada!

OTÁVIA - Nunca assim me chamastes; não há causa.

CÉSAR - Por que vens surpreender-nos desse modo? Não te apresentas como irmã de César. A consorte de Antônio deveria ter como introdutor um grande exército, servindo-lhe o relincho dos cavalos de sinal de chegada, muito tempo antes de ela surgir. Por toda a estrada carregadas as árvores deviam mostrar-se de homens e a curiosidade definhar por querer o que lhe falta. Mais, ainda: até à abóboda celeste chegar

devia a poeira, levantada pela população cheia de júbilo. Mas como rapariga do mercado viestes a Roma, assim deixando frustras as manifestações de meu afeto que, muitas vezes, sem ser visto, fica também sem ser amado. Deveríamos ter ido ao vosso encontro assim em terra como no mar, as estações enchendo de saudações crescentes.

OTÁVIA - Meu bondoso senhor, não vim forçada desse jeito, mas por livre vontade. Meu marido, Marco Antônio, ao saber que vos armáveis para a guerra, instruções deu minuciosas a meu aflito ouvido. Obtive dele permissão para vir.

CÉSAR - Por ele dada com presteza, por serdes um obstáculo posto entre ele e a lascívia.

OTÁVIA - Não, bondoso senhor; não digais isso.

CÉSAR -Tenho-o sempre de olho; o vento me traz notícias dele. Em que lugar ele se encontra agora?

OTÁVIA - Em Atenas, senhor.

CÉSAR - Não é verdade, muito enganada irmã; já lhe fez Cleópatra sinal, chamando-o. A uma prostituta deu ele seu império, e os reis da terra ambos, agora, para a guerra incitam. Assim, já convocou Baco, da Líbia, o rei da Paflagônia, Filadelfo, Abdala, rei da Trácia, o rei do Ponto, Herodes da Judéia, o soberano da Capadócia, que Arquelau se chama, Mitridates de Comagene, Amintas e Polemão, de Licaônia e Média, e outra lista maior de reis cetrados.

OTÁVIA - Ai de mim, infeliz, que dividido tenho ora o coração entre dois seres que reciprocamente se maltratam!

CÉSAR - Sede bem-vinda. Retardaram vossas cartas vossa partida. Desejávamos, convencer-nos, também, de quanto tínheis sido ultrajada, e nós assim, corrido grande risco com tanta negligência. Reanimai-vos, sem vos amofinardes com o presente que sobre vossa dita tantas preocupações tem atirado. Sem nos queixarmos, aceitemos quanto nos impõe o destino no seu curso. A Roma sois bem-vinda. Sobre tudo vos dedico afeição. Não pode a mente conceber quanto fostes ultrajada. Os altos deuses, para vos fazerem justiça, em seus ministros nos transformam e a todos que vos prezam. Reanimai-vos e sede sempre para nós bem-vinda.

AGRIPA - Sois bem-vinda, senhora.

MECENAS - Mui prezada senhora, sois bem-vinda. Todos os corações de Roma, a um tempo, vos amam e lastimam. Só o adúltero Antônio, inteiramente mergulhado em suas ignomínias, vos repele e seu poder a uma rameira entrega, que contra nós atroa.

OTÁVIA - É assim, senhor?

CÉSAR - Decerto. Mana, sois bem-vinda. Tende paciência, por obséquio, irmã querida! (Saem.)