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AS ALEGRES COMADRES DE WINDSOR, ATO IV, Cena II

Um quarto em casa de Ford. Entram Falstaff e a senhora Ford.

FALSTAFF - Senhora Ford, vossa tristeza devorou meu sofrimento. Vejo que sois obsequiosa em vosso
amor, e vos prometo retribuí-lo sem a diferença mínima de um fio de cabelo, e isso, senhora Ford, não
somente no simples ofício do amor, mas em todos os seus ornamentos, complementos e cerimônias. Mas
tendes certeza, mesmo, de que vosso marido ficará hoje fora de casa?

SENHORA FORD - Ele foi caçar passarinhos, meu caro Sir John.

SENHORA PAGE (dentro) - Olá, comadre Ford! Olá!

SENHORA FORD - Entrai para este quarto, sir John.
(Sai Falstaff Entra a senhora Page.)

SENHORA PAGE - Então, meu coração? Quem se acha aqui, além de vós?

SENHORA FORD - Ora, afora os criados, ninguém.

SENHORA PAGE - É verdade?

SENHORA FORD - Verdade. (À parte.) Fala mais alto.

SENHORA PAGE - Pois sinceramente, alegra-me saber que não há nenhuma pessoa estranha em vossa
casa.

SENHORA FORD - Por quê?

SENHORA PAGE - Ora, mulher, vosso marido está outra vez com as suas luas velhas: discute com o
meu marido, injuria todas as pessoas casadas, amaldiçoa todas as filhas de Eva, de qualquer cor que elas
sejam, e aplica na própria testa tamanhos socos, gritando: Aparecei logo! Aparecei logo! com tanta
violência, que os casos de loucura que eu já vi não passam de brandura, civilidade e paciência junto do
destempero em que ele se encontra. Alegro-me por não estar aqui o cavaleiro gordo.

SENHORA FORD - Como! É a respeito do cavaleiro que ele fala?

SENHORA PAGE - De ninguém mais, senão dele somente, jurando que ele foi retirado daqui dentro de
um cesto, quando ele deu busca na casa. Assevera a meu marido que neste momento ele se encontra de
novo aqui, tendo-o demovido, e aos demais companheiros, da idéia da caçada, para virem fazer outra
experiência com relação às suas suspeitas. Assim sendo, fico satisfeita por não estar aqui o cavaleiro
gordo, pois desse modo ele se convencerá de sua própria loucura.

SENHORA FORD - E ele já vem perto, senhora Page?

SENHORA PAGE - Encontra-se a dois passos, ali no fim da rua; não demora, chegará aqui.

SENHORA FORD - Nesse caso, estou perdida! O cavaleiro está aqui.

SENHORA PAGE - Nesse caso, estais desonrada de todo e ele não passa de um homem morto. Que
mulher sois! Mandai-o embora! Mandai-o embora! É preferível a vergonha ao crime.

SENHORA FORD - Mandá-lo embora por onde? De que modo disfarçá-lo? Pô-lo-ei novamente dentro
do cesto?
(Volta Falstaff.)

FALSTAFF - Não; não entrarei outra vez no cesto. Não me seria possível sair antes da chegada dele?

SENHORA PAGE - Ah! Estão de guarda na porta três irmãos de mestre Ford, armados de pistola, para
que ninguém possa sair. Não fora isso, poderíeis sair antes da vinda dele. Mas, que fazeis aqui?

FALSTAFF - Que fazer? Vou enfiar-me no cano da chaminé.

SENHORA FORD - Não; é aí que eles costumam descarregar as espingardas de caça.

SENHORA PAGE - Entrai na boca do forno.

FALSTAFF - Onde fica o forno?

SENHORA FORD - Não; ele há de procurar ali também, tenho certeza. Não há armário, cofre, mala,
prateleira, fonte, celeiro, de que ele não conserve de memória a lista, para revistá-los por ordem. Aqui em
casa não há lugar em que seja possível esconder-vos.

FALSTAFF - Nesse caso, terei de sair.

SENHORA PAGE - Se sairdes com vossa aparência natural, sir John, sereis um homem morto. A menos
que vos disfarçásseis...

SENHORA FORD - De que jeito?

SENHORA PAGE - Ai de mim! Não sei dizê-lo. Não temos nenhum vestido que lhe sirva; senão, ele
poderia pôr um chapéu, a mantilha e um lenço, para, desse jeito, escapar.

FALSTAFF - Meus corações, inventai qualquer recurso. Tudo, menos uma desgraça.

SENHORA FORD - A tia da minha empregada, aquela mulher gorda de Brainford, deixou lá em cima
um vestido.

SENHORA PAGE - Sob minha palavra, servirá nele; ela é tão gorda quanto ele... Deixou também o
chapéu grosso de lã e a mantilha. Ide lá para cima, sir John.

SENHORA FORD - Ide, ide, meu caro sir John! A senhora Page e eu vos arranjaremos algum pano para
a cabeça.

SENHORA PAGE - Depressa! Depressa! Subiremos neste momento, para vos prepararmos. Enquanto
isso, ide pondo o vestido.
(Sai Falstaff.)

SENHORA FORD - Quisera que meu marido o achasse sob esse disfarce; ele não suporta a velha de
Brainford; está convencido de que é feiticeira, tendo-a proibido de entrar aqui, sob ameaça de bater-lhe.

SENHORA PAGE - Que o céu o ponha ao alcance do cacete de teu marido e o diabo dirija depois as
marretadas.

SENHORA FORD - Mas meu marido vem mesmo para casa?

SENHORA PAGE - Vem; estou falando sério. E mais: refere-se ao cesto, de que ele veio a saber não sei
por que maneira.

SENHORA FORD - É o que ficaremos sabendo dentro de pouco. Vou dizer aos criados que carreguem
novamente o cesto, para cruzarem com ele, na porta, como da outra vez.

SENHORA PAGE - Certo. Mas ele está a chegar. Vamos logo vestir o cavaleiro com a roupa da bruxa
de Brainford.

SENHORA FORD - Antes disso vou instruir os criados acerca do que terão de fazer com o cesto. Vai
para cima, que eu já levo o pano para o cavaleiro.
(Sai.)

SENHORA PAGE - A forca para esse tipo desonesto. Nunca será excessivo o que fizermos com ele. Ao
mundo vai mostrar nossa conduta que temos gênio alegre e honra impoluta. Não há mal em brincar. Diz
o ditado: o porco que mais come é o mais calado.
(Sai. Volta a senhora Ford, com dois criados.)

SENHORA FORD - Vamos, senhores; ponde o cesto no ombro. O patrão está a chegar; se ele vos
mandar descer o cesto obedecei-lhe. Depressa! Despachai-vos!

(Sai.)

PRIMEIRO CRIADO - Vamos logo; pega desse lado.

SEGUNDO CRIADO - Praza ao céu que não esteja outra vez cheio do cavaleiro.

PRIMEIRO CRIADO - Espero que não; preferira carregar chumbo.
(Entram Ford, Page, Shallow, Caius e o reverendo Hugo Evans.)

FORD - Sim, mas se ficar provado, mestre Page, de que modo vos justificareis por me terdes chamado de
louco? - Ponde esse cesto aí no chão, velhacos! Vá alguém chamar minha mulher. - Jovem do cesto! Ó
velhacos condescendentes! Há uma conjura, um bando, uma quadrilha, uma conspiração contra mim.
Mas agora o diabo vai ficar confundido. Estou chamando! Vinde logo! Vinde ver que roupas honestas
mandais para a lavadeira!

PAGE - Mestre Ford, a brincadeira já está passando dos limites. Não deveríeis continuar solto; será
preciso que vos amarremos.

EVANS - Ora, lougura é assim mesmo; ele está tão lougo como cachorro lougo.

SHALLOW - Realmente, mestre Ford, não fica bem. Realmente.

FORD - É também o que eu digo, senhor.
(Volta a senhora Ford.)
Vinde cá, senhora Ford, mulher honesta, esposa modesta, criatura virtuosa, que tem por marido um louco
ciumento. Minhas suspeitas são infundadas, não é assim, minha senhora?

SENHORA FORD - Tomo o céu como testemunha em como é assim, no caso de suspeitardes de alguma
desonestidade de minha parte.

FORD - Muito bem, sua cara deslavada. Prossegui. Vinde para fora, velhaco!
(Tira algumas peças de dentro do cesto.)

PAGE - Isso é demais!

SENHORA FORD - Não vos envergonhais? Deixai essas roupas.

FORD - Vou apanhar-te neste momento.

EVANS - Isso é fora de brobósito; querreis expor a roupa de vossa esposa? Deixai disso!

FORD - Esvaziai o cesto, estou mandando!

SENHORA FORD - Por quê, homem? Por quê?

FORD - Mestre Page, tão certo como eu ser um homem honesto, anteontem foi retirado alguém daqui de
casa dentro deste cesto. Por que não poderá esse alguém estar de novo aí dentro? Tenho certeza de que
essa pessoa se acha aqui em casa; recebi informações seguras. Minhas suspeitas têm fundamento.
Vamos; retirai logo toda a roupa!

SENHORA FORD - Se encontrardes aí dentro algum homem, que ele venha a morrer como uma pulga.

PAGE - Não há ninguém aqui dentro.

SHALLOW - Por minha palavra de cavaleiro, isso não fica bem, mestre Ford; isso não vos orna.

EVANS - É breciso, mestre Ford, rezar, sem vos deixardes dominar pelas fantasias do goraçom. Isso é
xiúme.

FORD - Bem; confesso que não está dentro do cesto a pessoa que eu procuro.

PAGE - Nem em parte alguma, a não ser em vosso cérebro.
(Os criados saem com o cesto.)

FORD - Ajudai-me mais esta vez a revistar a casa. Se não encontrarmos o que eu procuro, podereis
carregar nas tintas da censura à minha extravagância, fazendo de mim alvo permanente de vossas
assuadas. Que de futuro venham a dizer a meu respeito: "Tão ciumento como Ford que procurava numa
noz vazia o amante da mulher". Fazei-me a vontade ainda por esta vez, ajudando-me a revistar a casa.

SENHORA FORD - Olá, senhora Page! Vinde cá para baixo e trazei velha! Meu marido vai entrar nesse
quarto.

FORD - Velha! Que velha é essa?

SENHORA FORD - Ora! A tia da minha empregada, a velha de Brainford

FORD - Uma bruxa, uma rameira, uma rameira intrigante é o que ela é. Não a proibi de entrar aqui em
casa? Foi portadora de algum recado não é assim? Somos ingênuos; não percebemos o que se faz sob
pretexto de tirar a buenadicha; ela opera por meio de feitiços, encantamentos, horóscopos e outras
baboseiras que tais, que ultrapassam de muito nosso horizonte. Não sabemos nada. - Desce, bruxa!
Desce, carcaça! Desce logo!

SENHORA FORD - Oh, meu querido maridinho! Caros senhores, não deixeis que ele dê na pobre velha.
(Entra Falstaff, vestido de mulher, conduzido pela senhora Page.)

SENHORA PAGE - Por aqui, tia Prat; por aqui. Dai-me a mão.

FORD - "Prato" é isto! Eu já te preparo o prato.
(Batendo em Falstaff)
Fora daqui, megera, cigana, feiticeira, fuinha, monte de banha. Vou conjurar-vos! Vou tirar-vos a sorte.
(Sai Falstaff)

SENHORA PAGE - Não vos envergonhais? Penso que matastes a pobre mulher.

SENHORA FORD - É o que ele ainda acabará por fazer; será uma façanha gloriosa.

FORD - Essa bruxa que se enforque.

EVANS - Belo sim e belo non, eu benso que a velha é mesmo pruxa. Não abrecio mulher de barba; por
paixo da mantilha eu vi uma barba grande.

FORD - Não quereis vir comigo, cavalheiros? Vinde, por obséquio; vinde ver como terminam minhas
suspeitas. Se eu latir sem ter dado na pista certa, não acrediteis, quando eu tornar a abrir a boca.

PAGE - Condescendamos mais uma vez com o capricho dele. Vinde, cavalheiros.
(Saem Ford, Page, Shallow, Caius e Evans.)

SENHORA PAGE - Podeis crer-me, ele lhe deu uma tunda de causar piedade.

SENHORA FORD - Não, pela missa! Não foi assim; penso que lhe bateu sem piedade.

SENHORA PAGE - Vou santificar o relho e colocá-lo sobre o altar; realizou um serviço meritório.

SENHORA FORD - Que vos parece? Sem deixarmos de ser mulheres honestas e de consciência limpa,
ainda poderemos prosseguir na execução de nossa vingança?

SENHORA PAGE - Certamente o demônio da luxúria já o abandonou. Se ele não se tornou propriedade
pura e simples do diabo, com todas as cláusulas do contrato, penso que nunca mais terá vontade de nos
tentar.

SENHORA FORD - Conviria contar a nossos maridos a maneira por que o tratamos?

SENHORA PAGE - Sem dúvida, quando nada, para tirar essas caraminholas da cabeça do vosso esposo.
E se eles decidirem de coração que o pobre cavaleiro enxundioso e devasso merece novos castigos,
poderemos ajudá-los nesse mister.

SENHORA FORD - Posso asseverar que eles hão de querer confundi-lo de público. Penso, mesmo, que a
brincadeira não ficaria completa, se ele não recebesse um castigo nessas condições.

SENHORA PAGE - Vamos, então, com o plano para a forja; convém bater, antes que esfrie.
(Saem.)