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HENRIQUE VIII, ATO I, CENA III

Um quarto no palácio. Entram o Lorde Camareiro e Lorde Sands.

CAMAREIRO ­ Como! Será possível que os encantos da França agora obriguem tanta gente a seguir
essas modas arbitrárias?
SANDS ­ A moda, embora chegue a ser ridícula, indigna até dos homens, é seguida.
CAMAREIRO ­ Pelo que vejo, todas as vantagens que os ingleses ganharam nessa viagem não
passam de uma ou duas carantonhas. Mas são horrendas; pois, ao assumi-las, poderíeis jurar no mesmo
instante que seus narizes foram conselheiros de Pepino ou Clotário, tal a sua majestade e imponência.
SANDS ­ Todos eles têm pernas novas, porém sempre mancas. Quem nunca antes os visse andar,
pensara que sofressem manqueira.
CAMAREIRO ­ Pela Morte, milorde! A roupa deles é de talho tão pagão, que é certeza haverem
gasto tudo o que de cristãos possuíam antes.
(Entra Sir Tomás Lovell.)
Então, Sir Tomás Lovell! Que há de novo?
LOVELL ­ Por minha fé, milorde, não conheço novidade nenhuma, se tirarmos o edito que acabaram
de afixar na porta do castelo.
CAMAREIRO ­ E seu objeto?
LOVELL ­ A reforma dos nossos perfumados viajantes, que de brigas deixam cheia a corte, de
conversas e alfaiates.
CAMAREIRO ­ Isso me alegra. Agora pediria a esses monsieurs que aos cortesãos ingleses
concedessem bom senso, embora nunca tivessem visto o Louvre.
LOVELL ­ É necessário ­ as condições são essas ­ que eles ponham de lado as plumas e demais
tolices que trouxeram da França, juntamente com os muito honrosos pontos da ignorância que disso
fazem parte, como duelos e fogos de artifício, o menosprezo de pessoas que valem mais do que eles e
que alvo são do pedantismo exótico... Libertem-se da fé que têm no tênis, nas meias altas e calções com
fofos, e todos esses símbolos da viagem, voltando a ser, como antes, gente honesta, ou as malas aprontem
e retornem para os seus companheiros de loucura, onde eles poderão ­ é o que presumo ­ gastar cum
privilegio o que lhes resta de impudicícia, à custa do ridículo.
SANDS ­ É tempo de lhes dar algum remédio; a doença está ficando contagiosa.
CAMAREIRO ­ Que perda para nossas damas, essa de tão raras vaidades!
LOVELL ­ Oh! decerto. Vai haver muito choro, meus senhores; esses bastardos astuciosos têm
manha para fazer que as damas caiam: fazem grandes milagres.
SANDS ­ Que lhes sirva de rabequista o diabo! Bem, que partam todos eles, pois, é certeza, nunca
virão a endireitar. Dagora em diante, qualquer fidalgo honesto da campanha, como eu, por tanto tempo
conservado fora do jogo, poderá sua ária modesta apresentar e ser ouvido durante uma hora, sim, pela
Madona, e até passar por músico aceitável.
CAMAREIRO ­ Muito bem, Lorde Sands; ainda tendes vossos dentes de leite.
SANDS ­ E conservá-los pretendo, enquanto me restar um coto.
CAMAREIRO ­ Para onde ides agora, Sir Tomás?
LOVELL ­ À casa do cardeal, e sei que Vossa Senhoria também foi convidado.
CAMAREIRO ­ Oh! decerto! Hoje à noite em casa dele vai haver um banquete de mão-cheia, para
muitos fidalgos e senhoras. As belezas do reino hão de presentes estar à festa, posso asseverar-vos.
LOVELL ­ De coração magnânimo é esse príncipe da Igreja e mão fecunda como a terra, que
alimento nos dá. Por toda parte se espalha o orvalho dele.
CAMAREIRO ­ É certo: é nobre. Boca negra há de ter quem outra coisa disser a seu respeito.
SANDS ­ Não lhe faltam razões, milorde, para ser magnânimo. No caso dele a economia fora pecado
mais nocivo que a heresia. Os homens de seu timbre devem sempre ser liberais. O exemplo parte deles.
CAMAREIRO ­ Perfeitamente; porém poucos hoje dão tão grandes exemplos. Minha barca por mim
espera; Vossa Senhoria irá comigo. Vamos, meu bondoso Sir Tomás; chegaremos atrasados; com Sir
Henrique Guildford indicado fui para ser mordomo dessa festa.
SANDS ­ Fico às ordens de Vossa Senhoria.
(Saem.)