Sala no palácio de York. Oboés. Uma pequena mesa sob um dossel, para o Cardeal Wolsey; uma
mesa grande para os hóspedes. Por uma porta entra Ana Bolena acompanhada de várias damas e
senhoras de qualidade, como hóspedes; pela outra entra Sir Henrique Guildford.
GUILDFORD Minhas senhoras, cordiais boas-vindas vos trago aqui por parte de Sua Graça. A
todos vós e à distração dedica esta noite o cardeal, estando certo de que nenhum dos componentes deste
nobre bando de casa trouxe a mínima preocupação. A todos ele almeja a alacridade que o bom vinho, as
boas companhias e o bom acolhimento, de regra, a toda gente boa ensejam.
(Entram o Lorde Camareiro, Lorde Sands e Sir Tomás Lovell.)
CAMAREIRO Ainda sois moço, Sir Henrique Guildford.
SANDS Sir Tomás Lovell, se o cardeal tivesse metade, apenas, de meus pensamentos mundanos,
asseguro-vos que muitas destas senhoras hoje encontrariam, antes de irem dormir, um bom refresco, oh!
muito mais do agrado delas todas.
LOVELL Se de uma ou duas Vossa Senhoria fosse hoje o confessor!
SANDS Oh! quem me dera! Encontrariam branda penitência.
LOVELL Branda, como?
SANDS Tão branda quanto um leito de plumas ensejasse.
CAMAREIRO Caras senhoras, não quereis sentar-vos? Sir Henrique, ficai daquele lado, que eu me
encarrego deste. Sua Graça vem já. Não, não podeis ficar geladas; quando se sentam juntas duas damas,
o tempo deixam frio. Lorde Sands, vós é que ireis deixá-las sempre espertas; vinde sentar-vos entre estas
senhoras.
SANDS Por minha fé, a Vossa Senhoria sou muito agradecido. Com licença, gentis senhoras.
(Senta-se entre Ana Bolena e outra dama.)
Se se der que eu fale com certo estouvamento, desculpai-me, que isso é herança paterna.
ANA Ele era louco?
SANDS Oh, em excesso! Louco, a conta inteira; no amor, também. Mas a ninguém mordia; como
ora faço, poderia vinte beijos vos dar num fôlego.
(Beija-a.)
CAMAREIRO Bem dito, milorde; agora, sim, estais sentado num bom lugar. A culpa, cavalheiros,
será só vossa, se estas lindas damas daqui saírem com fechado rosto.
SANDS Deixai-me só com o pouco que me toca.
(Oboés. Entra o Cardeal Wolsey, acompanhado, e vai sentar-se sob o dossel.)
WOLSEY Sede bem-vindos, belos convidados. A gentil dama ou o nobre cavalheiro que não
mostrar franca alegria agora, não tem amor a mim. Sede bem-vindos novamente. À saúde de vós todos.
(Bebe.)
SANDS Vossa Graça é gentil. Dêem-me uma taça que conter possa os agradecimentos e um
discurso me poupe.
WOLSEY Lorde Sands, muito vos agradeço. Deixai ledas vossas vizinhas; não estão alegres.
Cavalheiros, quem tem a culpa disso?
SANDS Primeiro o rubro vinho há de subir-lhes, senhor, às belas faces, para que elas de tanto
conversar nos deixem mudos.
ANA Milorde Sands, sois um par alegre.
SANDS Quando posso escolher a contraparte. Eis vinho para Vossa Senhoria. Se quiserdes beber...
Porque se trata de uma coisa...
ANA Que não podeis mostrar-nos.
SANDS Não disse a Vossa Graça que haveriam de soltar logo a língua?
(Ouve-se toque de trombetas e de tambores; descarga de artilharia.)
WOLSEY Que aconteceu?
CAMAREIRO Alguém vá ver o que houve.
(Sai um criado.)
WOLSEY Que ruído belicoso será esse? Que significará? Minhas senhoras, nada temais, pois
tendes privilégios assegurados pelas leis da guerra.
(Volta o criado.)
CAMAREIRO Então, que aconteceu?
CRIADO Um nobre bando de estrangeiros, parece. Já saltaram do barco e se aproximam como
grandes embaixadores de estrangeiros príncipes.
WOLSEY Bondoso Lorde Camareiro, dai-lhes as boas-vindas, pois falais francês, e até nós os
trazei, para que a todos este céu de belezas ilumine completamente. Alguns o ajudem nisso.
(Sai o Lorde Camareiro, acompanhado. Todos os convivas se levantam; são removidas as mesas.)
Tivestes o banquete interrompido; mas saberei remediar isso. Boa digestão a vós todos. E de novo
vos dou as boas-vindas. Sois bem-vindos.
(Oboés. Entram o rei e outros fidalgos, mascarados e fantasiados de pastores, introduzidos pelo Lorde
Camareiro. Dirigem-se diretamente para o cardeal e o saúdam graciosamente.)
Que nobre companhia. Que desejam?
CAMAREIRO Pedem que diga a Vossa Graça, visto nenhum falar inglês, que, tendo ouvido pela
alta Fama que uma companhia bela e nobre haveria de reunir-se neste ponto hoje à noite, não puderam
menos de abandonar os seus rebanhos, movidos do respeito que à beleza sempre têm demonstrado, e sob
o vosso patrocínio licença vos impetram para ver estas damas e uma hora de distração passar com todas
elas.
WOLSEY Dizei-lhes, Lorde Camareiro, que eles fazem muita honra à minha pobre casa; muito
lhes agradeço e a todos peço que aqui procedam como bem quiserem.
(Cada um tira uma dama para dançar; o rei tira Ana Bolena.)
REI HENRIQUE A mão mais bela que eu jamais toquei. Ó linda! Até hoje eu não te conhecera!
(Música. Dança.)
WOLSEY Milorde!
CAMAREIRO Vossa Graça?
WOLSEY De minha parte, por favor, dizei-lhes que deve haver uma pessoa entre eles mais digna
deste assento do que eu próprio, a quem, se a conhecesse, o cederia com meu amor e todo o meu respeito.
CAMAREIRO Pois não, milorde.
(Os mascarados cochicham uns para os outros.)
WOLSEY Que é que estão dizendo?
CAMAREIRO Confessam que há, realmente, essa pessoa, mas querem que a descubra Vossa
Graça, porque o lugar oferecido aceite.
WOLSEY Vou tentar.
(Levanta-se de seu lugar.)
Cavalheiros, com licença: neste aqui faço a minha real escolha.
REI HENRIQUE (tirando a máscara) Achaste-lo, cardeal. Encantadora companhia aqui tendes.
Bem pensado. Sois um homem da Igreja; do contrário, cardeal, eu vos teria em mau conceito.
WOLSEY Alegro-me por ver que Vossa Graça se mostra espirituoso.
REI HENRIQUE Por obséquio, milorde camareiro, aproximai-vos: quem é aquela dama
encantadora?
CAMAREIRO Se me permite Vossa Graça, é filha de Sir Tomás Bolena, do Visconde de
Rochefort; ela é dama da rainha.
REI HENRIQUE Pelo céu, é adorável. Minha jóia, descortesia fora rematada tirar-vos para a dança
sem beijar-vos. Um brinde, meus senhores! Bebam todos.
WOLSEY Sir Tomás Lovell, pronto está o banquete na câmara privada?
LOVELL Sim, milorde.
WOLSEY Vossa Graça, receio-o, pela dança ficou algo animado.
REI HENRIQUE Em demasia, tenho muito receio.
WOLSEY Na outra sala, milorde, o ar é mais fresco.
REI HENRIQUE Levem todos suas damas. Afável companheira, não poderei deixar-vos por
enquanto. Alegremo-nos todos. Meu bondoso Lorde Cardeal, beber ainda pretendo meia dúzia de brindes
com estas damas e novamente à dança concitá-las. Depois disso, cada um terá licença de imaginar que
foi o de mais sorte. Vamos! que soe a música!
(Saem, com toque de trombetas.)