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HENRIQUE VIII, ATO V, CENA V

O palácio. Entram trombeteiros, tocando uma fanfarra; depois, dois vereadores, o Lorde Maior, o
pregoeiro, Cranmer, o Duque de Norfolk com o seu bastão de marechalato, o Duque de Suffolk, dois
nobres com duas grandes bacias para os presentes do batizado; depois, quatro nobres carregando um
baldaquim, sob o qual vem a Duquesa de Norfolk, como madrinha, que carrega a criança envolvida em
um rico manto; uma dama da corte sustenta a cauda de seu vestido; depois vem a Marquesa de Dorset
como segunda madrinha, e outras damas da corte. O cortejo atravessa a cena e o pregoeiro fala.
PREGOEIRO ­ Ó céu! do alto de tua infinita bondade envia uma vida próspera, longa e sempre feliz
para a muito alta e poderosa Princesa da Inglaterra, Elisabete!
(Fanfarra. Entra o rei com seu séquito.)
CRANMER (ajoelhando-se.) ­ A Vossa Graça real e à boa rainha eis a minha oração e a dos meus
nobres companheiros: que todas as venturas, toda a alegria que o céu tem de parte para a dita dos pais, a
todo instante caiam sobre esta mui graciosa dama.
REI HENRIQUE ­ Meu bom Lorde Arcebispo, agradecido. Qual é o nome dela?
CRANMER ­ Elisabete.
REI HENRIQUE ­ Levantai-vos, senhor.
(O rei beija a menina.)
Com este beijo recebe minha bênção. Deus te ampare; nas mãos dele te entrego.
CRANMER ­ Amém.
REI HENRIQUE ­ Minhas nobres comadres, fostes pródigas. De coração vos agradeço. O mesmo
fará esta senhorita, quando o inglês dela for suficiente.
CRANMER ­ Permiti-me falar, senhor, que o céu é que me inspira, sem que ninguém como lisonja
tome minhas palavras, que há de o tempo dar-lhes plena confirmação. Esta real criança ­ que o céu a
ampare sempre! ­ embora ainda no berço se ache a este país promete bênçãos inumeráveis, que maduras
hão de ficar com o tempo. Há de tornar-se ­ dos presentes mui poucos hão de vida ter para ver tal coisa ­
inigualável modelo para todos os monarcas de seu tempo e dos tempos porvindoiros. Nunca a Rainha de
Sabá foi vista mais ávida e sequiosa de virtude e de sabedoria do que esta alma pura há de revelar-se. As
graças todas que as criaturas reais sempre exornaram e as virtudes que aos bons servem de adorno nela
serão dobradas. A verdade vai niná-la; os celestes e sagrados pensamentos serão seus conselheiros. Será
temida e amada ao mesmo tempo; os seus a abençoarão; seus inimigos hão de tremer como no campo o
trigo, de tristeza cair deixando a fronte. Crescerá o bem com ela; em seu reinado todos hão de comer
tranqüilamente, no seu lar próprios o que plantado houverem, cantando para todos os vizinhos belas
canções de paz. Reconhecido será Deus em verdade; os que a cercarem, por ela guiados, entrarão na via
direita da honra, assim engrandecendo, não por meio de sangue. Nem com ela há de acabar a paz. Do
mesmo modo que essa ave prodigiosa, a virgem fênix, das cinzas, ao morrer, engendra a herdeira tal
como ela, há de assim, Elisabete deixar a alguém seus peregrinos dotes ­ quando o céu a tirar desta
caligem ­ que das cinzas sagradas da honra dela como astro se alçará a igual altura, fixo aí se mantendo.
O amor, o medo, o sossego, a verdade, a plenitude que tiverem servido a esta criança passarão a esse
alguém, indo apegar-se-lhe como a vinha ao tutor. Onde o brilhante sol do céu irradiar, a glória dele
brilhará, a grandeza de seu nome novas nações fundando. Há de florir; e, como o cedro da montanha, os
ramos estenderá para a planície em torno. Nossos bisnetos ou tataranetos hão de ver isso e ao céu entoar
louvores.
REI HENRIQUE ­ Maravilhas nos contas.
CRANMER ­ Para a dita da Inglaterra será princesa idosa. Muitos dias verá, mas nenhum dia sem
um feito qualquer para coroá-lo. Oh! desejara não saber mais que isso. Mas terá de morrer; sim, porque
os santos a querem ainda virgem; como lírio imaculado baixará à terra e o mundo todo chorará por ela.

REI HENRIQUE ­ ó milorde arcebispo! Homem de novo me fizeste. Nunca, antes do nascimento
desta criança, tivera eu qualquer coisa. Esta inefável profecia encantou-me de tal forma que, ao me
encontrar no céu, ver só desejo o que esta criança faz e entoar louvores ao meu Criador. A todos
agradeço. Meu bom Lorde Maior, a vós e aos vossos bons colegas declaro-me obrigado. A presença de
todos me honrou muito; haveis de achar-me sempre agradecido. Sigamos, meus senhores; a rainha tereis
de ver. Ela há de agradecer-vos, que, do contrário, ficaria doente. Não cuide ora ninguém de ir para casa.
Hoje aqui todos ficarão, porque esta menina o dia vai encher de festa.
(Saem.)