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CORIOLANO, ATO I, Cena III

Roma. Um quarto em casa de Márcio. Entram Volúmnia e Vergília; sentam-se em dois tambores e
começam a costurar.

VOLÚMNIA - Cantai alguma coisa, filha, por obséquio, ou exprimi-vos por qualquer Outro modo
prazenteiro. Se meu filho fosse meu marido, eu me mostraria mais alegre com essa ausência, em que ele
ganha honra, do que com os abraços do leito nupcial com que ele me testemunhasse mais amor. Quando
ele ainda era grácil de corpo e o único filho de minhas entranhas; quando sua adolescência, com a graça
muito própria, atraía todos os olhares; quando qualquer outra mãe, ainda que instada durante um dia todo
por um rei, não se teria privado de uma hora da satisfação de contemplá-lo: eu, considerando que o mais
adequado adorno de sua beleza seria a glória e que ele valeria tanto como um quadro pendurado na
parede, se aquela não o animasse, aprazia-me em mandá-lo procurar perigo onde pudesse encontrar a
fama. Mandei-o para uma guerra cruel, de onde ele retornou com a fronte coroada de louros. Digo-te,
filha, que não foi menor a minha alegria ao ouvir que havia dado à luz a um varão, do que ao saber pela
primeira vez que ele se afirmara como homem.

VERGÍLIA - Mas se ele tivesse morrido nesse negócio, senhora: que aconteceria depois?

VOLÚMNIA - Depois, o meu filho ficaria sendo seu belo nome, que me teria dado posteridade. Permite
que te confesse com sinceridade: se eu tivesse uma dúzia de filhos, todos iguais em meu amor, e nenhum
menos caro do que o teu e o meu bom Márcio, preferira ver onze morrer nobremente por sua pátria a que
um somente se fartasse numa inação cheia de volúpia.
(Entra uma dama.)

DAMA - A senhora Valéria veio ver-vos.

VERGÍLIA - Dai-me licença para retirar-me.

VOLÚMNIA - Não; de jeito nenhum. Só me parece que ouço o tambor, daqui, de vosso esposo; vejo-o a
puxar pelo cabelo Aufídio, fugindo dele os volscos como as crianças fogem dos ursos; vejo-o como bate
com o pé no chão, assim, e como grita: "Poltrões, segui-me! Concebidos fostes no medo, embora em
Roma ao mundo viésseis!" A fronte ensangüentada, então, limpando com a mão de malha, segue para
diante, tal como o ceifador que recebera por tarefa segar toda a lavoura, se receber quiser o estipulado.

VERGÍLIA - A fronte ensangüentada! Oh não! Por Júpiter! Sangue, não!

VOLÚMNIA - Oh! calai-vos, minha tola. Sangue é adorno mais belo, para os homens, do que troféu
dourado. O seio de Hécuba amamentando Heitor, mais agradável aparência não tinha do que a fronte do
próprio Heitor, quando estilava sangue nos prélios contra os gregos. - A Valéria dize que ela é bem-vinda
a nossa casa.
(Sai a dama.)

VERGÍLIA - Que os céus amparem meu marido contra o terrível Aufídio!

VOLÚMNIA - Ele há de a fronte fazer vergar de Aufídio até aos joelhos, e o pescoço pisar-lhe.
(Volta a dama com Valéria e um porteiro.)

VALÉRTA - Minhas senhoras, bom dia para ambas.

VOLÚMNIA - Querida senhora!

VERGÍLIA - Alegro-me por Vossa Graça.

VALÉRIA - Como estais passando? Ambas sois notoriamente caseiras. Que estáveis cosendo? Belo
modelo, em verdade. Como está vosso filhinho?

VERGÍLIA - Fico muito agradecida a Vossa Graça: está passando bem, minha boa senhora.

VOLÚMNIA - Ele prefere ver espadas e ouvir tambor, a olhar para o mestre-escola.

VALÉRIA - Dou minha palavra em como é igualzinho ao pai. Iria jurar que é uma criança linda. Por
minha fé, na quarta-feira eu o contemplei durante meia hora: tem uma fisionomia decidida. Vi-o correr
empós de uma borboleta dourada; depois de a ter pegado, soltou-a de novo; depois, tornou a persegui-la
por várias vezes, sempre a correr atrás dela, até tornar a apanhá-la. Por último, ou por ter ficado
exasperado por ter caído, ou por outra razão qualquer, rangeu os dentes assim e a despedaçou. Oh!
deveríeis ter visto como a deixou em pedacinhos!

VOLÚMNIA - Revela os mesmos caprichos do pai.

VALÉRIA - Realmente; é uma nobre criança.

VERGÍLIA - É muito esperto, minha senhora.

VALÉRTA - Vamos, ponde de lado essa costura; passareis comigo a tarde de hoje como donas de casa
desocupadas.

VERGÍLIA - Não, minha boa senhora; hoje não porei os pés fora da porta.

VALÉRIA - Não poreis os pés fora da porta?

VOLÚMNIA - Sim, sim; ela o fará.

VERGÍLIA - Não, não, se mo permitirdes. Não transporei o umbral da casa enquanto meu senhor não
voltar da guerra.

VOLÚMNIA - Ora! Encarcerais-vos por maneira absurda. Vamos; precisais ir visitar a boa senhora que
teve criança.

VERGÍLIA - Almejo-lhe pronto restabelecimento e a visitarei com minhas orações, mas não poderei ir à
sua casa.

VOLÚMNIA - E por quê, pergunto-vos?

VERGÍLIA - Não será para furtar-me a esse trabalho, nem por falta de amizade.

VALÉRIA - Deveríeis ser uma segunda Penélope. No entanto há quem diga que toda a lã que ela fiou na
ausência de Ulisses só serviu para encher Ítaca de traças. Vinde; desejara que vossa cambraia fosse tão
sensível quanto vossos dedos, para que, por compaixão, deixasses de espetá-la. Vamos; tereis de sair
conosco.

VERGÍLIA - Não, minha boa senhora; desculpai-me, mas não sairei de casa.

VALÉRIA - Por minha fé, vinde comigo, que vos darei excelentes notícias de vosso esposo.

VERGÍLIA - Oh! minha boa senhora; não pode ter chegado ainda nenhuma notícia.

VALÉRIA - É certo; não estou brincando: chegaram notícias ontem à tarde.

VERGÍLIA - É verdade, senhora?

VALÉRIA - Falando com toda a seriedade: é certo. Ouvi-as da boca de um senador. Passou-se deste
modo: os volscos têm em campo um exército, contra o qual partiu Comínio, na qualidade de general,
com parte de nossas forças romanas. Vosso marido e Tito Lárcio puseram cerco à cidade de Coríolos.
Eles não têm a menor dúvida com respeito à vitória e ao término da campanha. Eis a verdade, por minha
honra. Assim, vos peço, vinde conosco.

VERGÍLIA - Perdoai-me, minha boa senhora; porém mais tarde vos serei obediente em tudo o mais.

VOLÚMNIA - Deixemo-la sozinha, minha senhora; no estado em que está, só poderá estragar-nos a
alegria.

VALÉRIA - Realmente, é também o que penso. Passai bem, então. Vamos, boa e querida senhora. Por
obséquio. Vergília, põe tua solenidade porta fora e vem passear conosco.

VERGÍLIA - Não, decididamente, minha senhora.

VALÉRIA - Está bem. Então, adeus.
(Saem.)