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CORIOLANO, ATO III, Cena II

O mesmo. Um quarto em casa de Coriolano. Entram Coriolano e patrícios.

CORIOLANO - Ainda mesmo que todos eles venham dilacerar-me a orelha, ou ameaçar-me de morte
pela roda ou esquartejado por cavalos selvagens; ainda mesmo que dez colinas empilhadas ponham sobre
a rocha Tarpéia, porque a queda se venha a dar sem que a visão a alcance: não modificarei minha atitude.

PRIMEIRO PATRÍCIO - Tanto mais nobre ela será em tudo.

CORIOLANO - O que me admira é ver que não concorda comigo minha mãe sobre este ponto, ela que
sempre lhes chamou escravos de roupa de algodão, coisinhas feitas para o comércio de vintém, apenas, e
para nas reuniões aparecerem de cabeça despida, boca aberta, sem dizerem palavra, revelando grande
espanto, quando um do meu calibre se alça para falar de paz e guerra.
(Entra Volúmnia.)
Falo de vós. Por que desejaríeis ver-me mais brando? Preferis que eu seja infiel à minha própria
natureza? Fora melhor quererdes que meu próprio papel eu represente.

VOLÚMNIA - Oh homem! homem! homem! Quisera que primeiro o posto tivésseis alcançado, embora
viésseis depois a malgastá-lo.

CORIOLANO - Pouco importa.

VOLÚMNIA - Poderíeis ter sido inteiramente o homem que sois, sem tanto empenho em sê-lo. Vossas
disposições teriam vindo a encontrar menos óbices, no caso de não terdes mostrado aos adversários quais
elas eram antes que eles força pudessem ter para contradizer-vos.

CORIOLANO - Ora! forca para eles.

VOLÚMNIA - E fogueira.
(Entram Menênio e vários senadores.)

MENÊNIO - Vamos, vamos! Vós fostes muito brusco, muito brusco, realmente. É necessário virdes
conosco, para endireitardes o que foi feito.

PRIMEIRO SENADOR - Não há outro meio. Caso não concordeis com isso, nossa boa cidade ficará
cindida em duas partes, vindo a destruir-se.

VOLÚMNIA - Sede cordato, peço-vos. Possuo também um coração tão impetuoso quanto o vosso.
Contudo, tenho cérebro que sabe dirigir a estuosa cólera para vantagem própria.

MENÊNIO - Muito certo, nobre dama! Antes que ele se curvasse perante a turba, se violenta crise do
tempo não pedisse esse remédio, para que todo o Estado a sarar viesse, envergaria eu próprio minhas

armas que mal sustentar posso.

CORIOLANO - Que é preciso que eu faça?

MENÊNIO - Ir para junto dos tribunos.

CORIOLANO - Muito bem! Muito bem! E depois disso?

MENÊNIO - Retratar-vos de tudo o que dissestes.

CORIOLANO - Como! Perante o povo? Se nem mesmo perante os deuses poderei fazê-lo serei forçado
agora a retratar-me?

VOLÚMNIA - Sois muito rigoroso. Muito embora grande nobreza em tudo revelásseis, fala a
necessidade. Não dissestes uma vez que na guerra a astúcia e a honra, como grandes amigas, de mãos
dadas andam todos os dias? Concedei-me esse ponto e dizei-me em que uma delas pode perder na paz,
para que tenha de separar-se da outra?

CORIOLANO - Basta! Basta!

MENÊNIO - Excelente questão.

VOLÚMNIA - Se em vossas guerras for honra parecer o que não sois - o que, para ganhar, vos manda a
astúcia - em que será menor ou deprimente as duas amizades não fazerem na paz como na guerra, se isso
exigem ambas com o mesmo empenho?

CORIOLANO - Por que causa sobre isso insistis tanto?

VOLÚMNIA - Porque importa muito falardes hoje para o povo, não segundo a experiência vos ditar,
nem como o coração vos aconselha, mas com palavras que só tenham curso superficial na língua,
pensamentos bastardos e fraseado sem nenhuma relação com a lealdade do imo peito. Ora, isso vos
desonra tanto como tomar um burgo com palavras brandas sem as quais vos veríeis obrigado a confiar na
fortuna sempre móvel e a arriscar muito sangue. Eu dissimularia a natureza, quando a própria fortuna e a
dos amigos em perigo o exigissem de minha honra. É assim que eu penso, vossa esposa, o filho, todos os
senadores, nossos nobres. Mas preferis mostrar aos farrapentos como franzis o cenho, a um sorrisinho
gastar com eles, para que a herdar viésseis o que, de outra maneira, se perdera.

MENÊNIO - Nobre senhora! Vamos! Vamos logo! Falai direito para remediardes não somente o
presente perigoso, como os males passados.

VOLÚMNIA - Sim, meu filho, dirige-te para eles com teu gorro na mão, assim, levando-o bem à frente,
e deixa que teu joelho beije a terra, porque nesses assuntos a eloqüência melhor é o gesto; muito mais
instruído é o olho do ignorante do que o ouvido; inclina a fronte assim, que muitas vezes o altivo coração
te repreendeu, e tão humilde a deixa como a amora madura que mal pede ser tocada. Ou então lhes dize
que és soldado deles, e por teres crescido nas campanhas desconheces os meios delicados - confessarás
também - mais condizentes com a atitude que fora de exigir-se de quem implora o bom favor de todos:
mas que ao feitio deles, em verdade, pretendes adaptar-te quanto a tua pessoa e as energias permitirem.

MENÊNIO - Fazei apenas quanto ela aconselha e tereis ganho o coração de todos, pois a perdoar tão
prontos estão, sempre, quando solicitados, como fáceis se mostram de palavras sem propósito.

VOLÚMNIA - Vamos; sê comedido, por obséquio, embora eu saiba que preferirias ir em perseguição de
teu imigo num abismo de chamas, a adulá-lo num relvado macio. Aí vem Comínio.
(Entra Comínio.)

COMÍNIO - Venho da praça pública; é preciso, senhor, que reforceis vossos adeptos ou que cuideis de
vossa salvação pela moderação ou pela ausência. A indignação é grande.

MENÊNIO - Dirigi-lhes palavras amigáveis.

COMÍNIO - Suficientes poderão ser, tenho certeza disso, se o gênio ele dobrar nesse sentido.

VOLÚMNIA - Há de fazê-lo e de bom grado. Vamos! dizei que assim quereis e parti logo.

CORIOLANO - Será preciso, então, mostrar a todos a cabeça raspada? Com fingida língua imporei ao
coração altivo uma mentira dessas? Bem; que seja. Mas se em perigo apenas estivesse este terrão, o
molde deste Márcio, antes disso o teriam reduzido a poeira fina e a arremessado aos ventos. Bem; para a
praça pública! Impusestes-me um papel que jamais será possível representar direito.

COMÍNIO - Vamos, vamos; serviremos de ponto.

VOLÚMNIA - Eu te suplico, meu caro filho: tens asseverado que ficaste guerreiro tão-somente pelos
meus elogios. Ora cumpre representares um papel inédito.

CORIOLANO - Bem; representá-lo-ei. Fora, nativa disposição! De mim se aposse agora o espírito de
alguma prostituta. Minha goela guerreira, que fazia coro com meu tambor, torne-se cânula tão fina como
a voz de eunuco ou virgem, quando no berço embala as criancinhas. Que em minhas faces fixe moradia o
riso dos poltrões; tape as janelas de meus olhos o choro de meninos; que em minha boca a língua de
mendigo se ponha em movimento e que estes joelhos armados, nunca afeitos a dobrarem-se senão para
montar, ora se curvem como os do pobre que recebe esmola! Não! Não farei tal coisa, que não posso
deixar de honrar minha verdade intrínseca, o que faria se, pela atitude do corpo, à alma ensinasse tal
baixeza.

VOLÚMNIA - Como queiras, então; maior desonra é para mim pedir-te do que mesmo dirigires-te ao
povo. Venha abaixo tudo quanto há, que é preferível dares a sentir a tua mãe teu grande orgulho a fazê-la
recear-se, em qualquer tempo, de tua perigosa teimosia, pois rio-me da morte com tanto ânimo como tu
próprio. Faze o que quiseres; teu heroísmo vem de mim; mamaste-o com meu leite; porém todo esse
orgulho só a ti mesmo deves.

CORIOLANO - Por obséquio, mãe, acalmai-vos. Vou para o mercado; já decidi. Parai com esses ralhos.
Pretendo escamotear o amor de todos, o coração furtar-lhes, retornando adorado por todos os artífices de
nossa Roma. Vede: já vou indo. Dai recomendações a minha esposa. Voltarei como cônsul; do contrário,
nunca mais confiarei em minha língua no que à bajulação disser respeito.

VOLÚMNIA - Fazei o que quiserdes.
(Sai.)

COMÍNIO - Vamos logo! Os tribunos já estão à vossa espera. Disponde-vos a lhes falar com calma, pois
em reservas, dizem todos, têm acusações mais forte do que quantas já vos houvessem feito.

MENÊNIO - "Brandamente", é a senha de hoje.

CORIOLANO - Vamos, por obséquio. Que inventem contra mim o que quiserem, que minha honra será
toda a resposta.

MENÊNIO - Com brandura, porém.

CORIOLANO - Sim, com brandura. Que seja: com brandura!
(Saem.)