O mesmo. O foro. Entram Sicínio e Bruto.
BRUTO - Sobre esse ponto carregai com força: que ele aspira ao poder da tirania. No caso de
escapar-nos, acusai-o de odiar o povo e de não ter, até hoje, feito a distribuição do grande espólio
conquistado na guerra dos antíates.
(Entra um edil.)
Como é: vem ou não vem?
EDIL - Já está chegando.
BRUTO - E quem agora vem com ele?
EDIL - O velho Menênio e os senadores que costumam satisfazê-lo em tudo.
SICÍNTO - Conseguistes organizar a lista, por cabeça, das vozes que do nosso lado se acham?
EDIL - Consegui; está pronta.
SICÍNIO - Organizaste-las segundo as tribos?
EDIL - Sim.
SICINTO - Então, depressa convocai todo o povo. No momento em que me ouvirem declarar: "De
acordo com o direito e a vontade dos comuns, será desta maneira", quer se trate de morte, multa ou
banimento, todos, se eu disser: multa! gritar devem "Multa" se: morte! gritem "Morte", persistindo nos
velhos privilégios e na força da verdade da causa.
EDIL - Hei de informá-los do que dizeis.
BRUTO - E desde que tiverem começado a gritar, não se detenham; com confuso alarido exijam pronta
execução de quanto resolvermos, seja qual for a pena.
EDIL - Muito bem.
SICÍNIO - Fortes os conservai e sempre atentos ao sinal que teremos de fazer-lhes.
BRUTO - Ponde pressa em tudo isso.
(Sai o edil.)
Tratai logo de deixá-lo colérico. Ele se acha acostumado a dominar em tudo, afirmando o valor na
resistência. Uma vez alterado, não se deixa refrear pela prudência e fala tudo que tem no coração, só
parecendo que se empenha, com nossa interferência, em quebrar o pescoço.
SICÍNIO - Aí vem ele.
(Entram Coriolano, Menênio, Comínio, senadores e patrícios.)
MENÊNIO - Calma, é só o que vos peço.
CORIOLANO - Sim, tal como o servente que por íntima moedinha engole pencas de "velhacos" que os
altos deuses sempre amparem Roma, as cadeiras provejam da justiça com pessoas de bem, e entre nós
todos a concórdia semeiem. Que com cenas de paz apinhem sempre nossos templos, não as ruas com
mostras belicosas.
PRIMEIRO SENADOR - Amém.
MENÊNIO - Um nobre voto.
(Volta o edil, seguido de cidadãos.)
SICÍNIO - Aproximai-vos, povo!
EDIL - Ouvi os tribunos! Prestai toda atenção. Silêncio! digo.
CORIOLANO - Permiti que eu comece.
AMBOS OS TRIBUNOS - Bem; falai. Silêncio, aí!
CORIOLANO - Acabarão, acaso, minhas acusações com essas de hoje?
SICÍNIO - Pergunto se vos submeteis ao voto do povo, se aceitais seus magistrados e concordais em que
se instaure pronta sindicância com relação às faltas que imputadas vos forem.
CORIOLANO - Sim, concordo.
MENÊNIO - Cidadãos! Ele disse que concorda. Considerai agora seus serviços durante a guerra a refleti
nas marcas que no corpo ele traz e que parecem sepulturas num santo cemitério.
CORIOLANO - Pequenos arranhões de espinho, apenas, esfoladuras que provocam riso.
MENÊNIO - Além do mais, consideremos que ele não fala como cidadão, a todos qual soldado se
mostra, não devendo, portanto, serem tidos seus acentos ásperos como fala maliciosa. mas, como disse,
própria de um soldado, sem que possa ofender-vos.
COMÍNIO - Bem; já basta.
CORIOLANO - Por que motivo, tendo eu sido eleito por unanimidade para o posto de cônsul, na mesma
hora sofro a afronta de minha indicação ver anulada?
SICÍNIO - A vós é que compete responder-nos.
CORIOLANO - Falai; é certo.
SICÍNIO - Nós vos acusamos de tentar suprimir de Roma todos os postos constituídos e de ao mando
tirânico aspirar, assim tornando-vos traidor ao povo.
CORIOLANO - Como assim! Traidor?
MENÊNIO - Com mais calma. Lembrai-vos da promessa.
CORIOLANO - Que as chamas do mais baixo inferno envolvam de uma vez esse povo! Eu, insultado de
traidor, e por ti, tribuno infame! Embora nesses olhos se assentassem vinte mil mortes e em tuas mãos
crispadas outros tantos milhões, em tua língua caluniosa os dois números somados, dir-te-ia "Mentes!"
com uma voz tão livre como quando oro aos deuses.
SICÍNIO - Observastes o que ele disse, povo?
C1DADÃOS - Para a rocha! Para a rocha com ele!
SICÍNIO - Não! Silêncio! Não precisamos de matéria nova para contra ele fazer carga. Tudo quanto o
vistes fazer e dele ouvistes: de insultos vos cobrir, bater em vossos representantes, pela força bruta às leis
se opor, desafiar agora a autoridade que julgá-lo iria... Este atentado, por si só, tão grande, merece a pena
de mais dura morte.
BRUTO - Mas, à vista de ter servido Roma...
CORIOLANO - Por que tagarelar de meus serviços?
BRUTO - Digo o que sei.
CORIOLANO - Quem? Vós?
MENÊNIO - Essa é a promessa que a vossa mãe fizestes?
COMÍNIO - Por obséquio, ficai sabendo...
CORIOLANO - Não! Não quero coisa nenhuma. Eles que me condenem à alcantilada morte da Tarpéia,
ao vagabundo exílio, a me arrancarem aos poucos toda pele, a definhar-me lentamente no cárcere, só
tendo por alimento um grão em cada dia: não comprarei nunca o favor deles à custa de um só termo
delicado, nem a minha coragem eu refreara por todos seus presentes, muito embora só "Bom dia"
dizer-lhes me custasse.
SICÍNIO - Tendo-se em vista que por várias vezes - quanto dele, somente, dependia - conspirou contra o
povo, procurando meios para privá-lo dos poderes, chegando a se valer recentemente da violência
culposa, o que foi feito não só em frente da justiça augusta, mas até na dos próprios servidores que
incumbidos estão de ministrá-la: em nome, assim, do povo e dos poderes que nos são inerentes, nós,
tribunos, o declararmos, a partir de agora banido da cidade, não podendo, sob pena de jogado ser a rocha
Tarpéia, nunca as portas transpor de Roma. Em nome, pois, do povo, repito-o: assim será!
CIDADÃOS - Assim será! Assim será! Que parta!
COMÍNIO - Ouvi-me, mestres e comuns amigos...
SICÍNIO - Já foi dada a sentença; agora é tarde.
COMÍNIO - Permiti que vos fale. Já fui cônsul, podendo vos mostrar no corpo as marcas dos golpes dos
imigos da cidade. Dedico ao bem-estar de minha pátria mais respeitoso amor e mais profundo, mais terno
e sacrossanto que a mim mesmo, minha esposa estimada, seus rebentos, tesouros de meus flancos. Vou
dizer-vos...
SICÍNIO - Já sabemos qual seja vosso intento. Vamos! Que ireis dizer?
BRUTO - Já não há nada para dizer, senão que está banido como imigo do povo e da cidade. Assim será!
CIDADÃOS - Assim será! Assim será!
CORIOLANO - Vil matilha de cães, cujo mau hálito odeio como o pântano empestado, e cuja simpatia
estimo tanto quanto o cadáver insepulto e podre que deixa o ar corrompido e irrespirável: sou eu que vos
desterro, e aqui vos deixo com vossa inconsistência. Que o mais fraco rumor o coração vos deixe
inquieto, e que só com moverem seus penachos vos insuflem terror os inimigos. Ficai com força para
banir todos os vossos defensores, até o dia em que vossa ignorância, que só entende quanto venha a
sentir, tiver limpado com todos, menos vós - os inimigos de vós mesmos - alfim vos entregando como
fracos escravos a algum povo que vos conquiste sem fazer esforço. Por vossa causa desprezando Roma
dou-lhe as costas. O mundo é muito grande.
(Saem Coriolano, Comínio, Menênio, senadores e patrícios.)
EDIL - O inimigo do povo já partiu!
CIDADÃOS - Foi-se nosso inimigo! Está banido! Hu! Hu!
(Todos prorrompem em aclamações e atiram os gorros para o alto.)
SICÍNIO - Acompanhem-no todos até à porta, como ele fez convosco, demonstrando-lhe o máximo
desprezo. Atormentai-o, que ele bem o merece. Mandai uma guarda nos escoltar pela cidade.
CIDADÃOS - Vamos! Acompanhemo-lo até à porta! Vamos todos! Os deuses nos conservem sempre os
nobres tribunos! Vamos todos!
(Saem.)