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CORIOLANO, ATO IV, Cena VI

Roma. Uma praça pública. Entram Sicínio e Bruto.

SICÍNIO - Nada ouvimos falar a seu respeito; não precisamos, pois, ter medo dele. Seu furor se acalmou
com a paz reinante e a quietação do povo, que vivia em desordem selvagem. Seus amigos diante de nós
envergonhados ficam por tudo correr bem; prefeririam muito embora também a sofrer viessem, ver
desordeiros perturbar as ruas a ver os negociantes em suas lojas cantar alegremente ou dirigirem-se em
paz para o trabalho.
(Entra Menênio.)

BRUTO - Soubemos escolher o tempo certo. Não é Menênio?

SICÍNTO - É ele! É ele! Amável se tem mostrado ultimamente. Salve, senhor!

MENÊNIO - Meus cumprimentos.

SICÍNIO - Ninguém sente falta, senhor, de vosso Coriolano, excluídos seus amigos. A república continua
de pé e assim ficara, embora mais raivoso ele se achasse.

MENÊNIO - Tudo está bem; porém melhor seria se ele tivesse contemporizado.

SICÍNIO - Para onde foi? Sabeis?

MENÊNIO - A esse respeito não ouvi coisa alguma. A mãe e a esposa não têm notícias.
(Entram três ou quatro cidadãos.)

CIDADÃOS - Deus a ambos ampare.

SICÍNIO - Boa tarde, vizinhos.

BRUTO - Boa tarde para todos! Boa tarde para todos!

PRIMEIRO CIDADÃO - Nós, com mulher e filhos, nos sentimos na obrigação de orar por vós de joelho.

SICÍNIO - Vivei e prosperai.

BRUTO - Adeus, vizinhos. Desejara que Márcio vos amasse como nós dois.

CIDADÃOS - Os deuses vos protejam.

SICÍNIO E BRUTO - Adeus! Adeus!
(Saem os cidadãos.)

SICÍNIO - O tempo agora é muito mais alegre e melhor de viver do que quando estes camaradas corriam
pelas ruas gritando por socorro.

BRUTO - Caio Márcio na guerra sempre foi oficial digno, mas insolente, pelo orgulho inflado,
ambicioso sem conta, muito egoísta...

SICÍNIO - E desejoso de estar só no trono, sem assistente algum.

MENÊNIO -Não penso assim.

SICINIO - Para nosso pesar é o que teríamos verificado, se ele conseguisse ter sido cônsul.

BRUTO - Felizmente os deuses preveniram tal coisa e agora Roma sem ele continua calma e firme.
(Entra um edil.)

EDIL. - Dignos tribunos, um escravo preso por nós e encarcerado trouxe a nova de que os volscos, em
dois distintos corpos, os nossos territórios invadiram e com furor guerreiro incontrastável derrubam tudo
o que acham no caminho.

MENÊNIO - É Aufídio, que do exílio tendo ouvido do nosso Márcio, novamente ao mundo mostra os
cornos, que sempre conservara dentro da concha, sem ousar tirá-los, quando ao lado de Roma estava
Márcio.

SICÍNIIO - Por que falais de Márcio?

BRUTO - Mandai logo chicotear esse espalhador de boatos. É impossível que os volscos se atrevessem a
romper nossos pactos.

MENÊNIO - É impossível? Sabemos muito bem que isso é possível; só em meu tempo vi três vezes isso.
Mas convém conversar com esse escravo antes de castigá-lo, e perguntar-lhe onde ele se informou. Não
aconteça virdes a chibatear o próprio aviso e dar no mensageiro que vos manda ter cautela com o que há
de ser temido.

SICÍNIO - Não faleis nisso; sei que isso é impossível.

BRUTO - Não pode ser.
(Entra um mensageiro.)

MENSAGEIRO - Todos os nobres foram para o senado muito cabisbaixos. Chegou qualquer notícia que
a eles todos deixou completamente transtornados.

SICÍNIO - Foi o escravo; mandai que o chibateiem diante do povo. Isso é trabalho dele; foi a notícia,
apenas.

MENSAGEIRO - Sim, mui digno senhor; foi confirmada essa notícia, além de outras bem mais, bem
mais terríveis.

SICÍNIO - Que outras notícias mais terríveis?

MENSAGEIRO - Fala-se por muitas bocas, claramente - ignoro quanto haja de verdade nisso tudo - que
Márcio, juntamente com Aufídio, contra Roma dirige um grande exército, prometendo vingança da
largura da distância que vai das coisas velhas às mais recentes.

SICÍNIO - É de acreditar.

BRUTO - Foi espalhada essa notícia apenas para que a gente de ânimo abatido deseje a volta do bondoso
Márcio.

SICÍNIO - Eis todo o ardil da coisa.

MENÊNIO - É inverossímil; ele e Aufídio concordam tanto como duas contradições irredutíveis.
(Entra outro mensageiro.)

SEGUNDO MENSAGEIRO - Do senado vos chamam. Um exército pavoroso, com Caio Márcio à
frente, com Aufídio associado, assola nossos territórios; à força abrem caminho; o incêndio espalham e
tomam tudo o que acham.
(Entra Comínio.)

COMÍNIO - Oh! realizastes um trabalho e tanto!

MENÊNIO - Que aconteceu? Quais são as novidades?

COMÍNIO - Oh! violar conseguistes vossas filhas, sobre vossas cabeças todo o chumbo da cidade fundir,
em vossos próprios narizes desonrar vossas esposas...

MENÊNIO - Que novidades há? Que novidades?

COMÍNIO - Vossos templos queimados até à base, vossas imunidades, de que tanto caso fazíeis,
apertadas dentro de um furo de verruma.

MENÊNIO -Por obséquio, que novidades há? - Fizestes obra magistral, é o que temo. - Por obséquio,
vossas notícias? Se, em verdade, Márcio com os volscos se juntou...

COMÍNIO - "Se?" É o deus dos volscos. Condu-los como um ser que houvesse sido por um criador
formado, diferente da natureza e mais habilidoso na feitura dos homens, e eles todos sob sua direção
avançam contra nossos bonecos tão confiantes como meninos que perseguem borboletas ou açougueiros
quando matam moscas.

MENÊNIO - Belo trabalho o vosso e o desses homens de avental, que importância dáveis tanto aos votos
dos artífices e ao hálito dos comedores de alho.

COMÍNIO - Vossa Roma vai ele sacudir em vossas próprias orelhas.

MENÊNIO - Tal como Hércules fazia nas árvores de frutas. Que trabalho admirável o vosso!

BRUTO - Mas é certo, senhor, o que dizeis?

COMÍNIO - Ora, certíssimo. Podeis tornar-vos pálido até achardes notícias em contrário. Sorridentes,
passam-se muitos para os volscos; quantos procuram resistir são transformados em alvo de chacota pela
ignávia valorosa, morrendo como todos de provada constância. Quem o pode censurar? Tanto os vossos
inimigos como os dele o valor lhe reconhecem.

MENÊNIO - Estaremos perdidos, se o mui nobre vencedor não tiver de nós piedade.

COMÍNIO - Quem irá suplicar-lhe? Por vergonha não o farão os tribunos, merecendo sua demência o

povo como o lobo merece a do pastor. Se lhe dissessem seus melhores amigos: "Sê benigno para Roma",
teriam procedido como os que o ódio dele mereceram, comportando-se, assim, como inimigos.

MENÊNIO - É certo; caso o viesse atear em minha casa o fogo que iria consumi-la, não teria coragem de
dizer-lhe: "Parai, vos peço!" Bela mão tivestes nesse negócio, vós e todos esses artesãos de mãos destras.
Trabalhastes belamente com as mãos.

COMÍNIO - Chamastes sobre Roma um tremor que desafia a cura.

SICÍNIO E BRUTO - Não digais que o chamamos.

MENÊNIO - Como! É isso por caso, obra nossa? Nós o amávamos; porém como animais e nobres fracos
o entregamos a vossa malta informe, que o expulsou, entre apupos, da cidade.

COMÍNIO - Mas receio que aos urros eles todos o reconduzam. Tulo Aufídio, o nome segundo entre os
ilustres, obedece, como subordinado, às ordens dele. O desespero é toda a arte política, toda a força e
defesa de que Roma ora dispõe contra ele.
(Entra um bando de cidadãos.)

MENÊNIO - Aí vem o bando. - Então Aufídio está com ele? - Fostes vós que empestastes o ar, quando
jogáveis para o alto vossos gorros fedorentos e engordurados, e soltáveis gritos pelo exílio de Márcio. Ele
aí vem vindo, não havendo um cabelo na cabeça de seus soldados que ora não se mude num bom chicote.
Todos os idiotas que para cima os gorros atiraram vai ele derrubar para pagar-se dos votos alcançados.
Não importa; mesmo que ele a nós todos consumisse num só tição: de sobra o merecemos.

CIDADÃOS - Em verdade, a notícia é assustadora.

PRIMEIRO CIDADÃO - Por minha parte, quando eu disse: "Voto pela expulsão!" acrescentei: "E pena!"

SEGUNDO CIDADÃO - O mesmo eu fiz.

TERCEIRO CIDADÃO - Eu também; e, para dizer a verdade, muitos outros disseram a mesma coisa. O
que fizemos foi pelo melhor, e embora tivéssemos concordado voluntariamente em que ele fosse banido,
deu-se isso contra nossa vontade.

COMÍNIO - Bela coisa sois todos vós, com vossos votos!

MENÊNIO - Ótima coisa vós e vossa malta conseguistes fazer. E agora, vamos ao Capitólio?

COMÍNIO - Sim, que mais faremos?
(Saem Comínio e Menênio.)

SICÍNIO - Ide, meus mestres, para vossas casas. Não fiqueis assustados. Esses fazem parte de um grupo
que se alegraria se visse confirmado o que simula, tão-somente, temer. Ide, acolhei-vos a vossas casas,
sem mostrar receio.

PRIMEIRO CIDADÃO - Que os deuses se amerceiem de nós! Vamos, mestres; vamos para casa. Eu
sempre disse que procedíamos mal em bani-lo. -

SEGUNDO CIDADÃO - E assim todos. Mas vamos para casa.
(Saem os cidadãos.)

BRUTO - Essa notícia não me agrada em nada.

SICÍNIO - Nem a mim.

BRUTO - Vamos ao Capitólio. Perderia metade de meus bens com muito gosto, só para desmenti-la.

SICÍNIO - Vamos logo.
(Saem.)