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JULIO CESAR, ATO V, Cena III

Outra parte do campo de batalha. Alarma. Entram Cássio e Titínio

CÁSSIO - Olha, Titínio, aqueles miseráveis estão fugindo. Eu próprio transformei-me em imigo dos

nossos. Este lábaro tinha virado costas; dei a morte ao poltrão que o levava e o tomei dele.

TITÍNIO - Ó Cássio, Bruto deu o sinal cedo. Tendo alguma vantagem sobre Otávio, precipitou-se muito
na ofensiva.

Seus soldados entregam-se à pilhagem, enquanto Antônio, aqui, nos traz cercados.
(Entra Píndaro.)

PÍNDARO - Senhor, fugi, fugi para mais longe! Marco Antônio se encontra em vossas tendas.

Nobre Cássio, fugi para mais longe!

CÁSSIO - Desta colina enxerga-se mui longe. Olha Titínio, escuta: aquelas tendas em que percebo fogo
são as minhas?

TITÍNIO - Perfeitamente, meu senhor.

CÁSSIO - Titínio, se me amas, monta em meu cavalo, calca-lhe as esporas, até que àquelas tropas te leve
e aqui te traga de retorno, pois saber quero com certeza se elas são amigas, ou não.

TITÍNIO - Com a rapidez do pensamento, aqui estarei de novo.
(Sai.)

CÁSSIO - Vai, Píndaro, coloca-te no ponto mais alto da colina. Minha vista sempre foi fraca. Observa
bem Titínio e dize-me o que vês por todo o campo.
(Píndaro sobe a colina.)
No dia de hoje vim ao mundo; o tempo já deu a volta. Tenho de finar-me no ponto da partida. Minha
vida completou o circuito. Olá! Que é que há!

PÍNDARO (de cima) - Oh, meu senhor!

CÁSSIO - Que novidades há!

PÍNDARO - Titínio está cercado por guerreiros de cavalo, que à espora fita o seguem. Mas das suas
também ela faz uso. Estão quase sobre ele... Isso, Titínio! Alguns apearam... Ele também desce... Foi
feito prisioneiro.
(Ouvem-se aclamações.)

Estão contentes.

CÁSSIO - Vem para cá; já chega o que observaste. Oh, como sou covarde! Viver tanto, para ver preso
meu melhor amigo, perto dos próprios olhos! Aproxima-te, rapaz. Foi na guerra contra os partos que te
fiz prisioneiro. Mas deixando-te com vida, então, juraste-me que havias de cumprir tudo quanto eu te
ordenasse, fosse o que fosse. Vem; cumpre a palavra. Livre és daqui por diante, e, fazendo uso desta
excelente espada que nas vfsceras de César penetrou, fere este peito. Não repliques; segura aqui no
punho, e quando vires que eu cobri o rosto, tal como o faço agora, empurra a espada. César, foste
vingado, justamente com a mesma espada que te deu a morte. (Morre.)

PÍNDARO - Desse modo ganhei a liberdade; mas livre não seria, se eu tivesse podido agir por mim. Oh
Cássio! Píndaro fugirá para longe desta terra, onde romano algum possa notá-lo.
(Sai.)

(Voltam Titínio e Messala.)

MESSALA - Uma coisa por outra, simplesmente. Otávio foi vencido pelas forças do nobre Bruto, assim
como o foi Cássio pelas legiões de Antônio.

TITÍNIO - Essas notícias reconfortarão Cássio.

MESSALA - Onde o deixastes?

TITÍNIO - Nesta colina, de ânimo abatido. Píndaro, seu escravo, o acompanhava.

MESSALA - Não será ele que está ali no solo?

TITÍNIO - Parece não ter vida. Oh, coração!

MESSALA - Não é ele?

TITÍNIO - Era ele, sim, Messala; Cássio já não existe. Ó sol da tarde! Do mesmo modo que com raios
rubros somes na noite, o dia, assim, de Cássio mergulha no seu sangue purpurino. Entrou o sol de Roma.
Nosso dia já se foi. Nuvens, brumas e perigos terão de vir. Nossa obra está completa. Este ato decorreu
da desconfiança de que eu pudesse ser bem sucedido.

MESSALA - De que ainda haver pudesse bom sucesso. Ó erro odioso, filho da tristeza! Por que mostrais
ao vivo pensamento dos homens o que é falso? Muito cedo concebido, careces sempre e sempre de um
feliz nascimento, pois a morte da própria mãe engendras.

TITÍNIO - Olá! Píndaro! Píndaro, onde te encontras?

MESSALA - Vai em busca dele, Titínio, enquanto eu vou à procura do nobre Bruto, para que os ouvidos
lhe fira ante a notícia desta morte. Sim, digo bem: ferir pois o aço agudo e a seta envenenada não seriam
aos ouvidos de Bruto menos gratos do que a notícia do que estamos vendo.

TITÍNIO - Apressa-te, Messala, que entrementes vou ver se encontro Píndaro.
(Sai Messala.)

Meu bravo Cássio, por que mandaste que me fosse? Amigos teus não eram todos quantos ao encontro me
sairam? Sobre a fronte não me puseram eles esta bela coroa da vitória, desejando que a ti transmitisse?
Não ouviste suas exclamações? Ah, nobre amigo! Interpretaste mal todas as coisas. Mas recebe na fronte
esta coroa; teu Bruto me ordenou que ta entregasse. Executo suas ordens. Vem depresa, Bruto,
certificar-te da maneira por que honrei Cássio. Desculpai-me, deuses; é hábito dos romanos: vamos,
gládio de Cássio, encontra o peito de Titínio.
(Mata-se.)
(Alarma. Volta Messala, com Bruto, o moço Catão, Estrato, Volúmnio e Lucílio.)

BRUTO - Messala, onde ficou caído o corpo?

MESSALA - Ali; Titínio chora ao lado dele.

BRUTO - Está de rosto para cima.

CATÃO - Morto.

BRUTO - Júlio César, ainda és poderoso! Teu espírito vaga pela terra e faz virar nossas espadas contra
nossas próprias entranhas.
(Alarma ao longe.)

CATÃO - Valoroso Titínio! Não foi ele que a coroa pôs no defunto Cássio? BRUTO - Existirão dois
romanos como estes? Derradeiro dos romanos, adeus! Não é possível que de futuro Roma gerar possa
alguém igual a ti. Devo mais lágrimas, amigos, a este corpo, do que possa vir a pagar. Mas pouco
importa, Cássio; para isso hei de achar tempo, hei de achar tempo. Vamos; enviemos para Tasso o corpo.
Não deverão ser feitas as obséquias em nosso acampamento; poderiam deixar-nos abatidos. Vem,
Lucílio; jovem Catão, partamos para o campo de batalha; Labéu e Flávio devem guiar nossas legiões. Já
são três horas. Tentaremos de novo nossa sorte, antes que a noite baixe. Vida ou morte!
(Saem.)