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ATO II,Cena II

MACBETH,William Shakespeare,ATO II,Cena II

O mesmo
Entra lady Macbeth.

LADY MACBETH - O que os embebedou me deu coragem: fogo me deu o que os deixou extintos.
Ouvi! Silêncio! É o pio da coruja, sentinela fatal que augura a mais sinistra noite vai dar o golpe; a porta se acha aberta; o ressonar dos guardas embriagados zomba do ofício deles; pus mistura na bebida de todos, de tal forma que a morte e a natureza neles lutam sobre se vão morrer ou ficar vivos.

MACBETH (dentro) - Quem está aí? Olá!

LADY MACBETH - Que pena! Temo, que acordassem e nada esteja feito; O que nos atrapalha é a tentativa, somente, não a ação; Ouvi! De jeito deixei os punhais deles; não podiam ficar despercebidos. Se não fosse parecer-se no sono com meu pai, eu própria o realizara- Meu marido!
(Entra Macbeth.)

MACBETH - Realizei o ato, ouviste algum barulho?

LADY MACBETH - O pio, apenas, da coruja, e o grito do grilo, não falastes?

MACBETH - Quando?

LADY MACBETH - Agora.

MACBETH - Quando eu descia?

LADY MACBETH - Sim.

MACBETH - Escuta um pouco: quem é que está naquele quarto ao lado?

LADY MACBETH - Donalbain.

MACBETH (Contemplando as mãos) - Oh, que vista lastimável!

LADY MACBETH - É um pensamento néscio dizer isso: "Que vista lastimável!"

MACBETH - Um, no sono, sorriu, e o outro gritou: "Ai! Assassínio!" E, com isso, acordaram.
Escutando-os, me detive mas eles murmuraram orações, tão-somente, e dispuseram-se a dormir outra
vez.

LADY MACBETH - No mesmo quarto se acham dois.

MACBETH - Um gritou: "Deus nos ampare!" E "Amém" disse o outro, como se tivessem percebido as
mãos sujas do carrasco. Ao escutar-lhe o temor, não pude dizer "Amém", quando eles murmuraram
"Deus nos ampare".

LADY MACBETH - Não será prudente pensar tanto sobre isso.

MACBETH - Por que causa não pude, então, dizer "Amém?" De bênção tinha necessidade mui
premente; mas na garganta o "Amém" ficou pegado.

LADY MACBETH - Essas coisas não devem ser pensadas dessa maneira e de deixar-nos loucos.

MACBETH - Uma voz pareceu-me ouvir, aos gritos de: "Não durmais! Macbeth matou o sono!" o meigo
sono, o sono que desata a emaranhada teia dos cuidados, que é o sepulcro da vida cotidiana, banho das
lides dolorosas, bálsamo dos corações feridos, a outra forma da grande natureza, o mais possante pábulo
do banquete da existência.

LADY MACBETH - Que pretendeis dizer?

MACBETH - Por toda a casa continuava a gritar: "Basta de sono! Não durmais! Glamis destruiu o sono!
Por isso Cawdor já dormir não pode, Macbeth dormir não pode!"

LADY MACBETH - Quem gritava por esse modo? Ora, meu digno thane, relaxais vossas nobres
energias considerando as coisas por maneira tão doentia; Arranjai um pouco de água, para das mãos
tirardes todas essas testemunhas manchadas; Por que causa trouxestes os punhais de onde se achavam?
Precisam ficar lá; Tomai a pô-los em seus lugares e sujai de sangue os criados que ainda dormem.

MACBETH - Não; não volto, tenho pavor só de pensar no feito; voltar a contemplá-lo me é impossível.

LADY MACBETH - Oh! que vontade fraca! Dai-me as armas, os mortos e os que dormem são pinturas, nada mais é somente o olho da criança que tem medo do diabo desenhado se estiver a sangrar, deixarei
tintos com isso o rosto de seus próprios criados, pois é preciso que pareça que eles o crime cometeram.
(Sai. Pancadas dentro.)

MACBETH - Onde batem? Que se passa comigo, para um simples ruído apavorar-me? E aquelas mãos, ai! que os olhos me arrancam? Todo o oceano do potente Netuno poderia de tanto sangue a mão deixar-me limpa? Não; antes minha mão faria púrpura do mar universal, ornando rubro o que em si mesmo é verde.
(Volta lady Macbeth.)

LADY MACBETH - De vossa cor as mãos agora tenho; mas de possuir ficara envergonhada um coração tão branco.
(Pancadas dentro.)
Ouvi! Novas batidas. Ide logo vestir vosso roupão; se nos chamarem, não devemos mostrar que não dormimos. Não deveis entregar-vos a essas cismas tão miseravelmente.

MACBETH - Conhecer o que fiz..Melhor me fora se não me conhecesse.
(Pancadas dentro.)
Acordam Duncan batendo desse modo. Ah! se acordasses!
(Saem.)