Compartilhe

ATO II,Cena III

MACBETH,William Shakespeare,ATO II,Cena III

O mesmo
Pancadas dentro
Entra o porteiro.

PORTEIRO - Isso, sim, é que é bater! Quem fosse porteiro no inferno não faria outra coisa senão virar a chave(Pancadas dentro.) Bate, bate, bate! Quem está aí, em nome de Belzebu? Eis que chega um lavrador que se enforcou, na expectativa de uma boa colheita. Chegais na hora; Trazei boa carga de lenços, por isso que tereis de suar aqui a valer(Pancadas dentro.) Bate, bate, bate! Quem está aí, em nome do outro diabo? Por minha fé, é um sujeito de língua equívoca, que poderia jurar em qualquer um dos pratos da balança, contra o outro prato, que cometeu bastantes traições por amor de Deus, mas não pôde equivocar o céu; Oh! entrai, meu equivocador! (Pancadas dentro.) Bate, bate, bate! Quem está ai?
Por minha fé, é um alfaiate inglês que vem para cá por ter roubado uns calções franceses; Entrai, senhor
alfaiate! Aqui podereis aquecer à vontade vosso ferro de engomar(Pancadas dentro.) Bate, bate! Não há sossego de jeito nenhum; Quem sois? Mas, para inferno, este lugar é muito frio; Não continuarei nele por mais tempo como porteiro do diabo tinha pensado em deixar entrar gente de todas as profissões, que vai
para os fogos eternos pela estrada semeada de rosas(Pancadas dentro.) Um momento! Um momento!

Por obséquio, não vos esqueçais do porteiro.
(Abre o portão.)
(Entram Macduff e Lennox.)

MACDUFF - Fostes, amigo, vos deitar tão tarde para demorar tanto a levantar-vos?

PORTEIRO - Em verdade, senhor, ficamos a beber até ao segundo canto do galo, e a bebida, senhor, é
um grande provocador de três coisas.

MACDUFF - Quais são as três coisas que a bebida provoca especial mente?

PORTEIRO - Ora, senhor, nariz vermelho, sono e urinas; A lascívia, senhor, ela provoca e deixa sem efeito; provoca o desejo, mas impede a execução; por isso pode-se dizer que a bebida usa de subterfúgios com a lascívia: ela a cria e a destrói; anima-a e desencoraja-a; fá-la ficar de pé e depois a obriga a não ficar de pé; Em resumo: leva-a a dormir com muita lábia e, lançando-lhe o desmentido, abandona-a a si mesma.

MACDUFF - Penso que a bebida te lançou o desmentido esta noite.

PORTEIRO - Foi isso mesmo, senhor, que ela fez comigo, pela garganta a dentro, mas eu lhe dei o troco do desmentido; porque sendo, como penso ser, mais forte do que ela, embora por vezes ela me quisesse passar rasteira, acabei por jogá-la ao solo.

MACDUFF - Teu senhor já se levantou?
(Entra Macbeth.)
O barulho acordou-o; Ei-lo que chega.

LENNOX - Nobre senhor, bom dia.

MACBETH - Para todos também bom dia.

MACDUFF - O rei, mui digno thane, já terá acordado?

MACBETH - Não, ainda.

MACDUFF - Pediu-me que o chamasse bem cedinho, por pouco perdi a hora.

MACBETH - Vou levar-vos até onde ele se encontra.

MACDUFF - Sei que alegre vos deixa esse trabalho porém sempre será trabalho.

MACBETH - O trabalho agradável é remédio da canseira; Eis a porta.

MACDUFF - A liberdade vou tomar de bater, pois a incumbência que recebi foi essa.
(Sai.)

LENNOX - O rei parte hoje?

MACBETH - Parte; assim decidiu.

LENNOX - A noite toda foi desassossegada; Onde dormimos o vento derrubou a chaminé; Dizem que no ar se ouviram muitos prantos, gritos de morte estranhos, profecias, em terríveis acentos, de horrorosas devastações, confusos acidentes, ninhada destes tempos ominosos; Durante toda a noite a ave das trevas não deixou de piar; Dizem que a terra teve febre e tremeu.

MACBETH - Foi uma noite muito rude, em verdade.

LENNOX - Minha jovem memória não se lembra de outra igual.
(Volta Macduff.)

MACDUFF - Horror, horror, horror! Não pode a língua, não pode o coração nem conceber-te nem dar-te
nome algum.

MACBETH E LENNOX - Que aconteceu?

MACDUFF - A destruição concluiu sua obra-prima; Arrombou o sacrílego assassínio o templo ungido do Senhor, e a vida roubou do próprio altar.

MACBETH - Como dissestes? A vida?

LENNOX - Pretendeis dizer que é a vida de Sua Majestade?

MACDUFF - Ide até o quarto e a vista destruí ante outra Górgona; quero ficar calado; Ide vós mesmos,para depois falardes.
(Saem Macbeth e Lennox.)
Despertai! Despertai! Traição e morte! Malcolm, Banquo, Donalbain, depressa, sacudi esse sono de penugem, simulacro da morte, e vinde a própria morte encarar de pé! A imagem vede do grande
julgamento; Malcolm! Banquo! Vinde como das tumbas, como espíritos, para ver este horror; Tocai o sino!
(Soa o sino.)
(Entra lady Macbeth.)

LADY MACBETH - Que aconteceu aqui, para que, tão medonha, uma trombeta desperte os moradores
desta casa, para parlamentar? Falai! Falai!

MACDUFF - Ó gentil dama, não deveis ouvir-me no que tenho a dizer; Esse relato, repetido ao ouvido de uma dama, produziria a morte.
(Entra Banquo.)
Ó Banquo! Banquo! assassinado foi nosso real amo.

LADY MACBETH - Ai! como? Em nossa casa?

BANQUO - Oh! muito cruel, pouco importa onde fosse caro Duff, desmente-te a ti próprio, por obséquio, e dize que houve engano.
(Voltam Macbeth e Lennox.)

MACBETH - Se eu tivesse morrido uma hora, apenas, antes de isto se dar, teria tido uma vida abençoada; Doravante nada mais há de sério no universo; Tudo é farandolagem; a honra e a glória já não existem; Esgotado se acha o vinho da existência, só restando simples borra no fundo desta adega com que possa jactar-se.
(Entram Malcolm e Donalbain.)

DONALBAIN - Que foi que aconteceu?

MACBETH - Como! Estais vivos e não sabeis o que houve? A fonte, a origem, o princípio secou de
vosso sangue, a própria origem já parou de todo.

MACDUFF - Vosso real pai se encontra assassinado.

MALCOLM - Oh! E por quem?

LENNOX - Ao que parece, foram seus próprios camareiros que o mataram de sangue o rosto e as mãos tinham manchados, como os punhais que sem bainha achamos sobre seus travesseiros; de olhar fixo se achavam, como alheados; não deviam ter-lhes confiado a vida de ninguém.

MACBETH - Agora me arrependo de os ter morto na minha indignação.

MACDUFF - Por que o fizestes?

MACBETH - Quem sábio pode ser e estupefacto, moderado e furioso, leal e neutro na mesma hora?
Ninguém; A diligência do meu amor violento deixou longe a razão vagarosa; neste ponto se achava Duncan, com sua cute branca acairelada pelo sangue de ouro; as feridas abertas pareciam brechas da natureza, adrede feitas para a entrada da ruína vastadora; além, os assassinos, embebidos da cor da profissão, monstruosamente recobertas de sangue as próprias armas..Quem poderia reprimir-se, tendo coração para amar e, nele, o brio de tornar conhecidos seus pendores?

LADY MACBETH - Oh! Tirai-me daqui!

MACDUFF - Vede a senhora.

MALCOLM (à parte, a Donalbain) - Por que ficamos mudos, se este caso de perto nos atinge mais que a
todos?

DONALBAIN (à parte, a Malcolm) - Por que falar aqui, onde o destino, a espiar de algum buraco,
poderia lançar-se sobre nós? Fujamos; nossas lágrimas não estão bem preparadas.

MALCOLM (à parte, a Donalbain) - Nem nossa grande dor para a vingança

BANQUO - Socorrei a senhora.
(Lady Macbeth é levada para fora.)
E após agasalharmos a fraqueza, muito sensível a este tempo frio, reunamo-nos a fim de interrogarmos
esta obra enormemente sanguinária, para com mais vagar a conhecermos; A dúvida e o receio nos abalam. Na grande mão de Deus ora me encontro, disposto a combater as não sabidas intenções da malícia criminosa.

MACDUFF - Como eu.

TODOS - Como nós todos.

MACBETH - Com presteza viril nos aprontemos para em pouco nos reunirmos na sala.

TODOS - Bem pensado.
(Saem todos, com exceção de Malcolm e Donalbain.)

MALCOLM - Que pretendeis fazer? Não nos unamos com essa gente. É muito fácil para o homem fingido aparentar tristeza; Irei para a Inglaterra.

DONALBAIN - E eu para a Irlanda separados, assim, nossos destinos cuidarão de nós dois com maior zelo; Os sorrisos aqui punhais escondem quanto mais perto o sangue dos parentes, maior é a afinidade sanguinária.

MALCOLM - A mortífera flecha disparada ainda não caiu; nosso caminho mas seguro é evitar-lhe a trajetória a cavalo, portanto, sem perdermos tempo com despedidas delicadas; saiamos de mansinho.
Condenável não pode ser o roubo da prudência, quando não há nem rasto de demência.
(Saem.)