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ANTONIO E CLEOPATRA, ATO III, Cena IV

Atenas. Um quarto em casa de Antônio. Entram Antônio e Otávia.

ANTÔNIO - Não, não Otávia; não é isso apenas. Isso fora escusável, isso e inúmeros outros fatos iguais. Recentemente contra Pompeu abriu de novo guerra; o testamento fez e leu-o em público. Falou de mim mui perfunctoriamente, e quando tinha de prestar-me homenagem, expressava-se com frieza e a contragosto, só medindo-me por bitola acanhada. Quando tinha boa oportunidade, desprezava-a, de caso bem pensado, ou mui de leve, tão-somente, a pegava.

OTÁVIA - Ó caro esposo! não deis crédito a tudo, ou, caso o derdes, não leveis tudo a mal. Mulher alguma mais infeliz - se vier a tomar vulto tal desinteligência - colocada se viu entre os dois campos contendores a rezar pelos dois. Hão de zombar de mim os deuses plácidos, quando rezar me ouvirem: "Protegei meu senhor e marido!" e, destruindo logo após esse voto, exclamar alto: "Protegei meu irmão!" Vença o marido, vença o irmão... um pedido destrói o outro. Nesses extremos não há meio termo.

ANTÔNIO - Nobre Otávia, coloca o teu afeto onde ele possa ser mais bem guardado. Se eu perder a honra, perco-me a mim mesmo. Prefiro não ser vosso, a pertencer-vos tão desgalhado assim. Mas acedendo no que pedis, fareis de medianeira entre mim e ele. Nesse meio tempo, senhora, tratarei dessa campanha que a vosso irmão irá deixar na sombra. Se puserdes bastante pressa nisso, realizados vereis vossos desejos.

OTÁVIA - Obrigada vos fico. O poderoso Júpiter fez de mim, fraca, tão fraca, vossa conciliadora. Uma contenda entre vós, fora como se o universo viesse a rachar, devendo corpos mortos soldar a grande fenda.

ANTÔNIO - Logo que virdes de onde vem a causa do dissídio entre nós, para essa banda fazei pender o vosso desagrado. Pois nunca poderão ser nossas faltas tão iguais que mereçam tratamento igual de vosso amor. Cuidai da viagem. Vós mesma escolhereis as componentes de vosso séquito e fareis o cômputo das despesas que achardes necessárias. (Saem.)